Um mês após a adoção de Jennifer, ela me olhou com aqueles olhos imensos e enigmáticos, e sussurrou palavras que se cravaram na minha mente como espinhos:“Mamãe, não confie no papai.”
Essas palavras foram como uma lâmina afiada, cortando a tranquilidade que eu tentava construir. O que Richard estaria escondendo? Quais segredos ele guardava nas sombras?
Fitei o rosto de Jennifer, onde a fragilidade infantil se misturava com uma gravidade desconcertante. Seus dedos pequenos apertavam meu braço com uma firmeza delicada,
e seus olhos carregavam uma expressão que parecia desvendar algo que eu ainda não conseguia compreender. Depois de tantos anos de desilusões, ela finalmente estava ali, nossa filha.
Richard parecia transbordar de felicidade. Seus olhos estavam fixos nela, como se quisesse preservar cada gesto dela, cada respiração, como se fosse um tesouro raro.
“Olha só para ela, Marla”, disse ele com um tom quase reverente. “Ela é perfeita.”Sorri, mas algo dentro de mim se contorceu. “Sim, ela é”, respondi baixinho, minha voz marcada por uma suavidade que escondia uma inquietação.
O caminho até aqui foi árduo, uma sucessão de consultas intermináveis, papéis e mais papéis, uma sequência de passos que pareciam nunca ter fim. Mas o momento em que vi Jennifer pela primeira vez,
tão pequena e reservada, foi como se o mundo parasse por um segundo. Ela era a peça que faltava no nosso quebra-cabeça, ainda que eu não soubesse o que isso significava exatamente.
Algumas semanas depois da adoção formalizada, Richard sugeriu um passeio em família. Ele se ajoelhou diante de Jennifer, falando com uma suavidade quase solene:“Que tal um sorvete? Você gostaria?”
Jennifer olhou para ele com um misto de desconfiança e curiosidade, então voltou o olhar para mim, como se pedisse permissão em silêncio. Hesitante, ela deu um pequeno assentimento e apertou minha mão com mais força.
Richard sorriu, mas havia algo forçado na expressão. “Então, sorvete, não é? Vai ser divertido, prometo.”No caminho até a sorveteria, Jennifer permaneceu ao meu lado, sem desviar um centímetro.
Richard andava à frente, mas jogava olhares rápidos por cima do ombro, como se verificasse se ela o estava acompanhando. Havia uma tensão em cada um dos seus movimentos, um esforço forçado para manter a calma.
Quando chegamos, ele se aproximou do balcão com uma animação exagerada.“Chocolate? Morango? O que você prefere?”Jennifer olhou para mim antes de responder, sua voz tão suave quanto uma brisa:
“Baunilha.”Richard levantou as sobrancelhas, surpreso, mas rapidamente se recompôs e sorriu. “Baunilha, então. Perfeito.”Sentados à mesa, Jennifer comia seu sorvete em silêncio absoluto,
seus olhos nunca deixando Richard por mais do que alguns segundos, mas sua boca permanecia fechada. Ela parecia uma observadora silenciosa, quase etérea, captando tudo ao seu redor sem realmente fazer parte daquilo.
Mais tarde, quando a coloquei na cama, Jennifer me envolveu com um abraço apertado e sussurrou, como se tivesse algo muito importante a dizer:“Mamãe, não confie no papai.”
Senti um gelo subir pela minha espinha. Sentei ao lado da cama, passando a mão pelo cabelo dela com a delicadeza de quem tenta não quebrar algo frágil.“Por que diz isso, minha querida?” Perguntei, tentando não deixar a ansiedade transparecer.
Ela deu de ombros, mas seu olhar era pesado, carregado de algo que eu não conseguia compreender completamente.“Ele fala de um jeito estranho, como se estivesse escondendo algo.”
Meu coração começou a bater mais forte, mas busquei manter a calma.“O papai te ama, Jennifer. Ele só quer que você seja feliz.”Ela assentiu vagarosamente, mas seus olhos não se fecharam.
Ela me observava, com uma intensidade incomum para uma criança tão pequena, como se me sondasse à procura de algo que eu ainda não sabia oferecer.
Quando saí do quarto, encontrei Richard encostado na moldura da porta, seu sorriso era uma máscara, uma fachada.
“Tudo bem com ela?” Perguntou com um tom que parecia forçado, como se estivesse tentando esconder algo.
“Sim”, respondi com uma voz que não me parecia minha, uma voz que falhava em esconder a apreensão.“Ela vai se acostumar, Marla”, disse ele, com uma confiança que parecia ensaiada. “Eu sei que ela vai confiar em nós um dia.”
Eu forcei um sorriso, mas as palavras de Jennifer reverberavam na minha mente, como um eco persistente que não podia ignorar.
Na manhã seguinte, enquanto fazia a louça, ouvi Richard conversando no outro cômodo. Sua voz estava abafada, quase imperceptível.
“Está mais complicado do que imaginei.
Jennifer está sendo mais observadora do que eu pensei. Estou começando a temer que ela revele algo para a Marla.”Meu coração disparou. O que ela sabia? O que ele temia que ela dissesse?
“Não posso mais esconder isso”, murmurou ele, sua voz tensa. “Mas Marla não pode saber ainda.”Eu congelei, a água escorrendo pelas minhas mãos sem que eu percebesse. Uma sensação de vertigem me tomou.
O que estava acontecendo com nossa família? O que Richard estava tentando esconder?