Era um anseio que ardia em minha alma, um desejo quase visceral: a viagem que finalmente me levaria ao túmulo do meu pai. Quando ele partiu, o adeus ficou suspenso no tempo, perdido num limbo de ausência.
Os anos que se seguiram foram como uma névoa densa, onde a saudade ecoava sem resposta.Após meses de economias rigorosas e renúncias dolorosas, o objetivo parecia ao alcance.
5.000 dólares – uma pequena fortuna para alguém como eu, uma enfermeira cujo salário mal cobria as necessidades básicas. Mas para mim, aquele dinheiro não era apenas um valor monetário.
Ele representava uma chave, a passagem para um adeus que eu há tanto adiava.Ethan, meu marido, estava ciente. Sabia que aquela viagem era meu sonho mais íntimo, o fio que sustentava minha esperança.
Em nossas conversas sobre contas, dívidas e a escassez que nos cercava, ele sempre reiterava seu apoio. Prometeu que o dinheiro seria meu. Contudo, o que eu não imaginava era que por trás das palavras tranquilizadoras, ele arquitetava um plano que me deixaria em ruínas.
Naquela tarde, voltei para casa mais cedo, exausta de uma semana turbulenta. Tudo que eu queria era um pouco de paz. Mas, ao entrar, notei algo estranho: a luz do quarto acesa, quando Ethan deveria estar no trabalho.
Subi as escadas com passos silenciosos, uma sensação incômoda crescendo em meu peito. E então, a visão me atingiu como um soco: Ethan, ajoelhado diante do meu guarda-roupa, remexendo no local onde eu escondia meu precioso tesouro.
Meu coração disparou, e a realidade me golpeou. Ele sabia. E agora, roubava aquilo que eu havia construído com tanto esforço.Com uma desculpa esfarrapada, Ethan saiu às pressas, deixando-me lá, em meio a uma mistura de choque e indignação.
Mas algo dentro de mim se recusava a ficar parada. Decidi segui-lo.Ele caminhou pelas ruas até uma loja de pesca, e, sem hesitar, entrou. Do lado de fora, observei, incrédula, enquanto ele discutia animadamente com o vendedor sobre varas reluzentes,
molinetes sofisticados e um caiaque inflável.A raiva fervia em minhas veias, cada segundo intensificando minha determinação. Entrei na loja, minhas palavras já prontas, afiadas como lâminas.
“Você usou o meu dinheiro?”, minha voz soou firme, cada sílaba carregada de indignação. “Todo o meu esforço, para isso? Equipamento de pesca?”Ethan tentou justificar-se, murmurando desculpas que soavam ocas. “Lizzy,
eu só queria algo para mim. Em um mês, prometo que devolvo tudo.”Minha risada saiu amarga, como veneno. “Em um mês? Você destruiu meu sonho por um capricho, e acha que eu vou esperar? Chega, Ethan.”
Sem pestanejar, recolhi cada item que ele havia comprado e devolvi ao vendedor. Recuperei meu dinheiro e, sem olhar para trás, fui direto ao aeroporto.
Durante o voo, enquanto o avião cortava as nuvens, senti algo raro: leveza. Não era apenas o dinheiro que eu havia recuperado, mas também minha liberdade, minha capacidade de escolher o que realmente importava para mim.
Ao chegar ao túmulo do meu pai, senti o solo sob meus pés como um abraço. A dor que me acompanhara por anos se dissipou, dando lugar a uma serenidade que há muito desconhecia.Meu celular vibrou no bolso.
Uma mensagem de Ethan: “Lizzy, sinto muito. Por favor, volte. Eu preciso de você.”Olhei para a mensagem por um instante, antes de respirar fundo e guardá-lo novamente. Minha jornada estava apenas começando. Desta vez, ela era só minha. E isso bastava.