Me alimente e eu curarei seu filho disse a menina em voz baixa ao lado da mesa 💥

ENTRETENIMENTO

Jonathan Pierce paralisou-se no meio do gesto, o garfo suspenso no ar. A jovem negra à sua frente mal poderia ter mais de onze anos.

O vestido dela era gasto, de um algodão azul desbotado, provavelmente feito com cuidado por alguém há muito. Suas mãos estavam sujas, mas o cabelo cuidadosamente trançado, como se a pobreza coexistisse com a dignidade em cada fio.

Do outro lado da mesa estava Ethan, filho de dez anos de Jonathan. Sentava-se em silêncio, imóvel em sua cadeira de rodas. O tecido da calça caía frouxo sobre as coxas, como se suas pernas tivessem esquecido há muito tempo o que era se mover.

Jonathan bufou, uma risada amarga escapou dele. – Você… quer curar meu filho? E você é apenas uma criança!

A menina não recuou. Havia um brilho estranho em seus olhos, algo que Jonathan não via em ninguém há muito tempo – algo ao mesmo tempo antigo e inexplicável.

– Não quero seu dinheiro, senhor – disse ela calmamente. – Só uma refeição. Um prato de comida, e ajudarei como minha avó ajudava as pessoas, onde eu nasci.

Jonathan suspirou profundamente. Três anos de impotência o consumiam. Três anos desde o acidente que lhe tirara a esposa, Claire, e deixara o filho paralisado.

Os médicos haviam dito, frios e objetivos: Ethan nunca mais andaria. O sorriso do menino desaparecera naquele dia, como se algo tivesse morrido com ele.

– Por favor, pai – sussurrou Ethan, a voz trêmula, mas os olhos implorando. – Deixe que ela tente.

Jonathan esfregou a testa. A razão dizia que era loucura, mas havia algo na voz do filho que não podia ignorar. Uma centelha de esperança que ele já havia enterrado há anos.

– Está bem – disse finalmente, acenando para o garçom. – Traga algo para ela comer.

A menina, que se apresentou como Lila Carter, assentiu com gratidão. Quando a refeição foi colocada diante dela, comeu com uma fome que parecia de dias sem alimento.

Cada movimento era controlado, mas havia algo instintivo e natural em seu jeito, como se a privação habitasse seu corpo sem dominar sua alma.

Depois de comer, limpou a boca e perguntou baixinho: – Há algum lugar tranquilo? Quero mostrar o que sei.

Jonathan assentiu, hesitante, e levou Ethan até um pequeno parque atrás do restaurante. O sol já se punha, e o ar trazia a frescura do outono.

Lila se ajoelhou diante de Ethan, levantou a barra da calça do menino e começou a massagear suas pernas com movimentos lentos e firmes. Seus dedos trabalhavam profundamente nos músculos, como se soubesse exatamente onde tocar.

– Isso é besteira – resmungou Jonathan, cruzando os braços.

Mas Ethan sentia diferente. – Pai, isso… é estranho, mas é bom – disse baixinho.

Lila assentiu e continuou. – Não é por causa dos remédios que ele não consegue se mexer, senhor. Não são os nervos que estão paralisados, apenas o corpo enfraqueceu. O que ele toma agora só piora isso.

Jonathan ergueu a cabeça. – Que remédios?

– Aqueles que sua esposa dava – respondeu Lila calmamente. – Aqueles que o fazem ficar frio e sonolento. Já vi isso antes. Eles retardam o sangue.

O rosto do homem empalideceu. Vanessa, a nova esposa, sempre insistira que Ethan tomasse os remédios. O médico da família os prescrevera, e Jonathan nunca questionara.

– Não posso acusar ninguém sem provas – disse com firmeza.

O olhar de Lila encontrou o dele. – Então teste. Vai ver que estou certa.

Jonathan estava prestes a mandá-la embora quando Ethan exclamou: – Pai! Sinto as mãos dela!

O coração de Jonathan parou por um instante. Pela primeira vez em três anos, viu luz no rosto do filho. Ethan riu, com lágrimas nos olhos.

Lila levantou-se, limpando os joelhos. – Não dê mais esses remédios, senhor. Eles sugam a energia dele. – Como sabe disso? – perguntou Jonathan com a voz rouca.

O olhar de Lila escureceu. – Porque eu também perdi alguém por isso – respondeu baixinho. – E não vou deixar que aconteça de novo.

Ela se virou e caminhou para o crepúsculo. Jonathan ficou imóvel, observando, enquanto a certeza e a dúvida travavam uma guerra silenciosa dentro dele.

Naquela noite, não conseguiu dormir. Girava o frasco de remédios nas mãos, lembrando-se das palavras de Lila: “Eles estão tirando a força dele.”

Quando Vanessa adormeceu, Jonathan se sentou no computador. Procurou o nome do remédio: Neruvex-A. O médico dizia que era regenerador neural.

Mas em fóruns médicos, escondido entre linhas, encontrou algo: avisos sutis, mas claros, de que poderia causar fraqueza muscular a longo prazo.

Na manhã seguinte, levou o frasco a um laboratório particular. – Examinem isso – disse. – E não contem a ninguém.

Enquanto isso, percebeu que Ethan estava mais vivo, a pele mais quente, desde que deixou de tomar a dose.

Três dias depois, o resultado chegou. As cápsulas não eram regeneradoras, mas relaxantes musculares. O uso prolongado causava danos irreversíveis aos músculos.

As mãos de Jonathan tremiam. Uma pergunta não saía da cabeça: Por que Vanessa faria isso?

Começou a investigar o acidente também. O carro de Claire caiu da ponte durante uma tempestade intensa. O relatório apontava falha nos freios. Mas algo não batia. Jonathan ligou para um detetive aposentado que cuidou do caso na época.

– Interessante que você pergunte agora – disse o homem. – Alguém mexeu no cilindro de freio. Suspeitávamos de crime, mas a seguradora pediu para encerrar o caso. Você foi quem pressionou.

Jonathan ficou paralisado. – Eu? Eu nunca… A realidade caiu sobre ele como uma onda gelada.

Naquela noite, enquanto Vanessa preparava o jantar, Jonathan mostrou o laudo do laboratório. – O que deu ao meu filho? – perguntou baixinho.

A mulher o olhou, impassível. – O remédio que o Dr. Harlow prescreveu. – Verifiquei. Você deu veneno a ele.

Os olhos de Vanessa endureceram. – Não devia ter feito isso.

Jonathan bateu o papel sobre a bancada. – Por quê, Vanessa? Por que machucou Ethan?

A voz dela se quebrou. – Porque ele me lembra todos os dias de Claire! Dos olhos dela! Dos que você ainda ama!

Jonathan recuou, como se tivesse sido atingido.

A voz dela baixou. – Ele tem tudo. Você, a empresa, a vida. Só queria a minha parte.

– Você… matou ela – sussurrou Jonathan.

Os lábios de Vanessa se contraíram. – Só precisava sair do caminho.

Antes que Jonathan pudesse reagir, Vanessa alcançou a gaveta.

– Ethan, fica aí! – gritou Jonathan, segurando o pulso da mulher antes que a faca caísse.

A luta foi intensa, a cadeira tombou, Ethan gritou, vizinhos chamaram a polícia.

Minutos depois, a casa se encheu de luzes piscantes. Vanessa, algemada, gritou enquanto os policiais a levavam. – A vida tinha que ser minha, não dele!

Seu depoimento esclareceu tudo. Contratou um mecânico para arruinar os freios de Claire e um médico para prescrever remédio falso, garantindo que Jonathan nunca se afastasse dela.

Jonathan passou semanas quase sem falar. A culpa de anos ganhou nova forma – percebeu que a verdadeira escuridão estava dentro de casa.

Mas as palavras de Lila ecoavam: “O corpo dele não está paralisado. Só enfraquecido.”

Retomaram a fisioterapia de Ethan. Jonathan incorporou as técnicas de massagem e alongamento que Lila mostrara.

Procurou por Lila – no restaurante, no abrigo, nas escolas – mas ninguém sabia quem ela era. Como se a terra a tivesse engolido.

O tempo passou, e Ethan ficou mais forte. Primeiro os dedos, depois os joelhos. Cada dia uma pequena vitória. – Quase lá, filho – dizia Jonathan, escondendo as lágrimas. – Está ficando mais forte.

Em uma tarde fria de outono, Ethan deu os primeiros passos. Dois passos trêmulos, mas sozinho. Jonathan caiu de joelhos, chorando. – Conseguiu, meu filho. Conseguiu.

Ethan sorriu. – Lila disse que eu podia, lembra? Jonathan assentiu, olhando pela janela, procurando o vestido azul que jamais veria de novo.

Mas no fundo sabia: ela não precisava voltar. Lila já havia feito o suficiente. Curou não só o filho, mas ele também.

Ensinou-lhe que a verdadeira cura não está no dinheiro ou nos remédios, mas na fé, na verdade e no amor.

E após três longos anos sombrios, Jonathan Pierce finalmente sentiu que podia respirar novamente.

(Visited 500 times, 1 visits today)

Avalie o artigo
( Пока оценок нет )