Há alguns dias, algo aconteceu que passou a trazer um novo tipo de inquietação e encanto à minha rotina — um episódio que, pouco a pouco, tornou-se parte da minha casa, ainda que permanecesse um enigma… até que, por fim, a verdade veio à tona.
Todos os dias, ao meio-dia exato, quando os relógios marcam discretamente a hora do almoço, uma garotinha se colocava diante do meu portão.
Ela caminhava com suavidade, contida, quase como se estivesse insegura — e mesmo assim, sua presença era firme e constante.
Pequena, bem vestida, com o rostinho levemente maquiado e as mechas grossas caindo pelos lados, seu rosto sempre trazia um traço gentil de sorriso, enquanto segurava com firmeza um urso de pelúcia — aquele mesmo, que parecia nunca largar.
Pelas manhãs, quando os primeiros raios de sol atravessavam as janelas, eu ainda não estava em casa — geralmente estava presa ao trabalho no escritório. Não havia como atender, abrir a porta, e eu nunca via quem era que batia.
Mas a câmera instalada ao lado da entrada, que funciona como interfone, registrava tudo o que se passava do lado de fora.
E lá estava ela — parada exatamente no mesmo lugar — olhando para a lente, às vezes em total silêncio, e logo depois seus pés se moviam, e ela desaparecia entre as sombras da rua.
No começo, pensei que fosse um engano, talvez alguém curioso tirando fotos… mas não era isso.
A menina voltava todo santo dia, e o padrão nunca se alterava. Batia, aguardava, partia. Nunca um carro, nunca um adulto por perto — só aquele meio-dia luminoso, a calçada quente, o portão, e ela.
Com o passar dos dias, aquilo começou a me deixar ansiosa. E se ela estivesse perdida, ou com algum problema?
E se ninguém cuidasse dela, ou estivesse passando por algo sério? A preocupação se espalhou pelos meus pensamentos, se entranhou nas minhas noites, e me levou a decidir encontrar os responsáveis — custasse o que custasse.
Numa tarde em que o céu já se tingia de dourado e a luz do dia dava lugar a tons suaves, tomei uma decisão: levaria os vídeos à delegacia. Que outra atitude eu poderia tomar?
As gravações mostravam com nitidez: ela se aproximava, encarava a câmera, permanecia ali por alguns minutos como se esperasse por alguém, depois se virava e ia embora.
Não havia nada de estranho, nenhuma atitude suspeita — só uma espécie de sombra de curiosidade que eu não conseguia decifrar.
Os policiais não demoraram a agir: logo identificaram o endereço onde a menina provavelmente morava — uma rua próxima, a poucos quarteirões da minha.
Chamaram a mãe para comparecer à delegacia. Eu recebi essa notícia já no meio da noite — nervosa, com medo. O que será que descobriríamos? Ela mentiria? Ou algo trágico seria revelado?
Quando a mãe finalmente chegou à delegacia, percebi em seus olhos um tipo de confusão — mas não raiva, e sim algo mais profundo, como um susto misturado com melancolia.
Ao explicarem o motivo do chamado — que todos os dias ao meio-dia, uma menina pequena ficava diante do portão da vizinha — ela soltou uma risadinha contida. Não chorou, apenas sorriu, e limpando discretamente os olhos, falou:
— Ah… sim — murmurou — eu sei do que se trata. Nossa filha está naquela fase em que tudo a fascina. Moramos aqui por perto, e sempre caminhamos por essa rua.
Uma vez, enquanto passávamos pela frente da sua casa, ela disse: “Queria cumprimentar aquela senhora.” Então correu até o portão, bateu, esperou um pouco e voltou. Eu fico sempre de olho, logo ali, do lado do portão.
Fiquei surpresa. Não era a explicação que eu esperava — e ainda assim, fazia todo o sentido.
No fundo, eu também não sabia no que acreditar — apenas naquela lembrança vaga de um gesto simples de gentileza: uma maçã que dei numa tarde chuvosa, anos atrás, quando a vi caminhando pela calçada.
Talvez, desde então, a menina tenha entendido que devia retribuir, ou ao menos dizer um “olá”.
— Mas… por que justamente minha casa? — perguntei, ainda desconcertada.
A mulher sorriu, com delicadeza:
— A senhora talvez nem lembre, mas naquele dia de verão, entregou uma maçã pra ela, quando ela caiu no chão.
Desde então, sempre que passamos por aqui, ela diz: “Quero agradecer e dar um oi pra aquela senhora.” Então ela vai até lá, bate, espera um pouco, e volta.
O delegado e eu trocamos um olhar, e não conseguimos conter uma risada leve — não de escárnio, mas de puro alívio,
por descobrir que a “visita misteriosa” era apenas uma criança querendo, do fundo do coração, expressar algo bonito. Não havia ameaça, nem perigo — só um gesto puro, nascido da inocência.
Desde então, todos os dias ao meio-dia, sempre que estou em casa, vou até o portão e fico à espera. Guardei um pequeno ramalhete de flores, às vezes preparo um docinho, sempre perto da hora marcada. Espero por sua batida.
E da última vez, quando chegou — ela parou, agradeceu, sorriu — e pra mim, aquele instante valeu mais que qualquer enigma que já vivi.
Aquela menina não era sombra, nem segredo. Ela era a luz, que aparecia a cada meio-dia para reencontrar quem, um dia, lhe ofereceu um pequeno gesto de ternura.







