Minha viagem de trem começou tranquila – até que me vi envolvido numa situação que jamais imaginei.
Estava num compartimento pequeno: dois assentos inferiores e dois superiores, cada um com seu dono.
Eu fiquei com a cama de baixo, a criança de cerca de cinco anos – acompanhada pela avó – também, e a senhora teve que se acomodar em cima. Não havia muito espaço, mas eu não esperava mais.
Desde o início da viagem, a avó insistia alto para que eu cedesse meu lugar inferior – “É difícil subir, e preciso cuidar do neto.”
A criança choramingava, murmurava ao lado dela. A insistência ficou cada vez mais irritada. Ela tentava sentar-se ao lado do menino, como se tivesse direito.
“Não posso fazer nada, os bilhetes foram comprados assim,” respondi, sem ilusões. Até chamou o condutor, que apenas deu de ombros: tudo dentro das regras.
Mas isso era só o começo.
Na manhã seguinte, meio sonolento, fui ao banheiro. Quando voltei, a cena me chocou.
Minha cama estava cheia de manchas âmbar de chá, migalhas, cascas de ovo esmagadas, e o cobertor tinha uma mancha pegajosa cinza. Minha ilusão de limpeza desapareceu.
Perguntei o que havia acontecido – ela sorriu inocentemente. “Ah, não foi de propósito, meu netinho comeu e derramou o chá… Ele é pequeno.”
A voz calma escondia cumplicidade. Guardei a calma, mas por dentro fervia.
Não reclamei nem gritei, decidi agir. Dar uma lição que ficasse marcada, pensei.
Tirei da mochila um tesouro: uma cobra eletrônica ativada por movimento – presente para meu afilhado. Parecia um brinquedo, mas tinha outro propósito para a noite.
A operação era simples: liguei, configurei o sensor, e escondi secretamente sob a cama deles, bem onde deveria haver ordem e silêncio à noite.
Quando finalmente o vagão silenciou e as luzes apagaram, o plástico curvado ganhou vida. Um som agudo e sibilante soou, seguido de um movimento no chão.
No escuro, a avó provavelmente viu uma cobra verdadeira, pois seu grito quebrou o silêncio e despertou o vagão inteiro.
— COBRA! — gritou, segurando o neto e subindo as escadas em pânico. O condutor apareceu, passageiros correram, alguém chamou o chefe da estação.
A confusão cresceu: gritos e flashes de celulares iluminaram o compartimento.
Eu me levantei calmamente, acendi a luz, me abaixei e peguei o brinquedo.
— É só um brinquedo — falei baixo —, uma pequena cobra que se move. Presente para meu afilhado. Desculpem o susto.
O condutor resmungou, alguns passageiros riram. A avó ficou vermelha, o abraço se apertou – olhei para a criança, que já ria e tentava tocar o brinquedo com luz.
Na manhã seguinte, desceram silenciosos. Ela largou as malas sem falar comigo, não pediu o lugar, não pressionou, não me olhou — apenas seguiu em frente.
O menino correu para trás, sorriu e acenou como se nada tivesse acontecido. Mas a avó nem olhou para trás, subiram a escada e partiram.
Para mim, aquela foi a resposta. Não com raiva, mas com estilo, humor e firmeza. A lição: quem espera respeito, deve primeiro oferecê-lo.
Naquela noite embarquei, mas viajei diferente. O tumulto sumiu. E a lição? Sempre deve haver uma porta aberta — a surpresa pela qual outros também aprendem — assim como a risada sincera de uma criança abre o coração.