– Eu sei que você está roubando – disse Hugo, o chefe, com uma voz seca e acusatória. – Você vai vezes demais ao vestiário durante o expediente. Venha aqui. Me dê sua bolsa.
Alina parou de súbito. Seus olhos se arregalaram, a respiração falhou. Deu um passo para trás, como alguém encurralado.
– Só tem meu almoço e uma troca de roupa… – sussurrou baixinho.
Mas Hugo não esperou. Com um gesto brusco, arrancou a bolsa de suas mãos. Sentiu com surpresa o quanto ela era pesada. O ar ao redor pareceu congelar, como se o tempo tivesse parado por um instante.
Clientes e funcionários começaram a se aproximar. Havia uma tensão silenciosa no ar, como se todos instintivamente percebessem que algo fora do comum estava acontecendo.
Hugo colocou a bolsa sobre uma mesa próxima e a abriu.
Puxou de dentro um cobertor macio e colorido.
– Mas o que é isso, pelo amor de Deus?! – exclamou, espantado.
Hugo não era exatamente uma figura querida. Um homem na casa dos cinquenta, viúvo e bem-sucedido, dono de vários restaurantes.
Tinha uma autoestima inflada – acreditava ainda ser encantador, apesar dos cabelos ralos e da barriga saliente.
Gostava de fazer “elogios gentis” às mulheres jovens, que na verdade eram mais constrangedores do que agradáveis.
Não era abertamente grosseiro, mas vivia buscando ocasiões para agir como um “cavalheiro” – ou ao menos era assim que se via.
Alina era uma jovem de 22 anos, delicada, porém determinada, que havia começado há poucas semanas como auxiliar de cozinha no restaurante.
Sua vida dera uma guinada cruel: seu companheiro, Elias, falecera num acidente, quando ela já estava grávida.
Ficou sozinha, sem família por perto, com um bebê nos braços e se agarrou desesperadamente à primeira oportunidade de trabalho que encontrou.
Um dia, viu o aviso “Estamos contratando!” na vitrine do restaurante. Entrou sem hesitar e implorou por uma vaga.
Hugo, tocado pelo olhar sereno da moça e seu sorriso tímido, resolveu contratá-la – parte por compaixão, parte por curiosidade.
Não demorou até que os colegas a alertassem:
– Fique esperta com o Hugo. Ele parece educado, mas é só fachada. Já tentou se engraçar com outras funcionárias…
– Só quero trabalhar – respondeu Alina em voz baixa, mas firme.
Numa noite, Hugo a interceptou na saída, segurando uma rosa nas mãos.
– Sabe por que eu te escolhi entre tantos candidatos? – perguntou com um meio sorriso malicioso.
– Não, senhor. Estou com pressa…
– Não me chame de senhor. Pode me chamar de Hugo. Te levo pra um fim de semana fora. Tudo por minha conta. Spa, conforto, presentes… que tal?
Alina ficou muda. A rosa parecia murcha em suas mãos. Por fim, respondeu com um tom comedido:
– Agradeço, mas estou aqui só pelo trabalho.
Um músculo se contraiu no rosto de Hugo. A recusa não só o surpreendeu – feriu profundamente seu orgulho. Algo dentro dele se inflamou.
– Uma lavadora de pratos… me rejeitando? Vai se arrepender.
Desde então, passou a vigiá-la. Achava suspeito que Alina sempre trouxesse uma bolsa grande e desaparecesse por alguns minutos no vestiário.
Numa tarde em que o restaurante estava lotado, Alina se aproximou dele:
– Posso sair um pouco mais cedo hoje? Preciso resolver uma coisa…
Hugo cruzou os braços. Seu tom se tornou sarcástico.
– Ah, é? E o que você carrega nessa bolsa todo dia? Vinho? Comida? Objetos roubados?
O restaurante ficou em silêncio. Todos os olhares se voltaram para Alina. Ela estava pálida, a voz trêmula:
– Só tem minha comida… e algumas roupas…
Hugo não acreditou. Pegou a bolsa e abriu o zíper com força.
Debaixo do cobertor, apareceu um rostinho sonolento. Um bebê – cerca de seis meses de idade. Abriu os olhos devagar e balbuciou: “Ma… ma…”
A surpresa foi tanta que ninguém disse uma palavra. Alina, chorando, falou entre soluços:
– Estou sozinha. Não tenho com quem deixá-lo. Não consigo pagar por uma creche.
Sou obrigada a trazê-lo comigo… escondido. Só o alimento nos intervalos. Eu nunca roubei… só quero trabalhar para sustentá-lo.
O rosto de Hugo se transformou. A raiva desapareceu. Lembrou-se de seu próprio filho – e da esposa – que perdera anos antes num acidente de carro.
A dor que havia sufocado por tanto tempo retornou com força.
Com a voz embargada, ele disse:
– Me perdoe… Não enxerguei direito. Eu também perdi minha família… Afundei na rotina e no dinheiro pra não lembrar. Mas não tinha o direito de te tratar assim.
Os olhos de Alina se encheram de lágrimas. Ela apenas assentiu, em silêncio.
– Só peço que não me julguem antes de me conhecerem.
Hugo devolveu a bolsa. Sua voz agora era suave, quase arrependida.
– Vai tirar um mês de licença paga. E quando voltar, terá um aumento de salário, pra poder cuidar melhor do pequeno. Você é bem-vinda aqui.
Alina fez uma reverência, agradeceu com sinceridade e saiu em silêncio, com o filho nos braços.
A partir daquele dia, Hugo não foi mais o mesmo homem.
Amansou. Deixou de lado os galanteios forçados e começou a se esforçar para estar presente – não só como patrão, mas como ser humano.
Talvez ainda estivesse longe da perfeição, mas algo dentro dele havia mudado profundamente.
O amor? Ainda não o reencontrou.
Mas, pela primeira vez, acreditava que talvez fosse digno dele.