Viajar de trem sempre teve um gosto de aventura para mim.
Viajar num vagão leito coletivo é quase como entrar num pequeno universo: pessoas que nunca se viram antes, confinadas por horas ou até dias, dividindo o mesmo espaço apertado, chá quente, marmitas trazidas de casa,
conversas sussurradas, e pela janela, vilarejos e campos que deslizam como num filme.
Achei que essa viagem seria assim também — tranquila, talvez até entediante. Até que ele embarcou.
Um homem de meia-idade subiu com seu cachorro. Não era um bicho grande, nem um rottweiler nem um pastor alemão — era apenas um pug. Mas esse pug… ele jogava em outra liga.
Naquele corpinho redondo morava um pulmão de trovão. Meia dúzia de passageiros acordaram com os latidos estridentes do cão, antes mesmo do trem sair da estação.
O pug gemia, latia, arranhava a grade da caixa de transporte como se implorasse pela liberdade. O som era agudo, penetrante, como se alguém arrastasse uma colher de metal sobre porcelana rachada.
Tentei conter a irritação, assim como os demais. Mas na primeira hora, o clima já era de tensão. Uma senhora idosa, com o rosto de quem já teve muito cachorro na vida, foi a primeira a perder a paciência:
— Senhor, isso é insuportável! Faça algo com esse cachorro, por favor!
O homem apenas suspirou e fez um gesto vago com a mão, como quem diz “o que posso fazer?”.
Poucos minutos depois, levantou-se e saiu com o cão para o corredor, fingindo um passeio — provavelmente só para aliviar a pressão no vagão.
Nesse tempo, fui buscar meu chá. Já era hábito. Ao retornar, percebi de imediato que algo estava errado. Minha marmita ainda estava no lugar, cuidadosamente tampada.
O arroz estava ali, como eu havia deixado. Mas o frango grelhado que eu mesmo preparei no dia anterior… tinha sumido.
A princípio achei que alguém havia esbarrado e derrubado. Mas então vi.
O pug, agora de volta na caixa, repousava no chão com a expressão satisfeita de quem ganhou o dia. No canto da boca, um fiapo gorduroso de carne. Ao redor, farelos. Os vestígios da minha refeição.
Olhei para o dono. Ele estava sentado com a tranquilidade de um monge. Ao perceber meu olhar, encolheu os ombros e disse:
— Me desculpe… pelo menos agora ele está quieto.
Não respondi. Não sou do tipo que faz escândalo público. Mas por dentro, ferveu tudo. Tomei uma decisão silenciosa: isso não ficaria assim. Nem toda vingança grita. Às vezes, ela escorre em gotas.
De madrugada, quando o vagão mergulhou na penumbra e no sono, levantei devagar. Movi-me com cuidado, pisando leve para não acordar ninguém. Do fundo da mochila, peguei um pequeno frasco.
Era um vidrinho com conta-gotas, contendo algumas gotas de extrato de valeriana — um calmante natural que costumo usar com meu gato nas viagens. Sempre funcionou.
O pug dormia profundamente dentro da caixa. Com a destreza de um ladrão, pinguei duas ou três gotas nos cantos do cobertor e na alça da caixa de transporte. Pouco, o suficiente. O perfume se espalharia.
Voltei à minha cama e, de alma leve, adormeci. No fundo, eu sabia: o dia seguinte seria memorável.
Pouco antes do nascer do sol, o caos se instaurou.
O vagão se encheu de latidos, gritos, confusão. Descobrimos que, no outro extremo do trem, viajavam dois cães maiores — estavam a caminho de uma exposição, acompanhados de seus donos.
Durante a parada da manhã, os soltaram um pouco para alongar as pernas.
E então, de algum modo, farejaram o aroma da valeriana e vieram direto em direção ao nosso vagão, como atraídos por um feitiço invisível.
Os dois cães tentavam invadir, arranhando a porta, uivando, latindo sem parar. O pug, do lado de dentro, surtou.
Latia como se uma matilha de lobos estivesse prestes a atacá-lo.
Passageiros despertavam assustados, alguém gritou, outro tentou segurar as bagagens, uma senhora cobriu o rosto com o lençol, como quem espera um terremoto.
O condutor apareceu em questão de minutos, vermelho de raiva, e gritou:
— Mais uma dessas e todos os cachorros descem na próxima estação! Com os donos! Isso aqui não é canil!
O homem do pug apenas encarava o vazio, atordoado. Seu cachorro ainda latia como se nunca tivesse dormido.
E eu? Eu estava ali, no meu lugar, tomando meu chá com calma. O frango, claro, não voltaria.
Mas havia uma estranha sensação de justiça no ar. Não precisei gritar, nem bater em ninguém — só agi com astúcia, com um frasquinho de vidro e uma ideia precisa.
Existem vinganças que não doem. Apenas ensinam. E deixam um leve perfume no ar.