Há anos caminho pelas trilhas da floresta que serpenteiam a encosta, não muito longe da minha casa.
Esse lugar é um refúgio para mim – um pedaço intacto de natureza, onde consigo escapar do barulho do mundo, onde o canto dos pássaros se mistura ao leve farfalhar das folhas, e onde a sombra das árvores sempre me traz paz.
Quase sempre sigo o mesmo trajeto: uma vereda estreita e pouco trilhada, que atravessa primeiro um bosque de pinheiros e depois mergulha num velho carvalhal.
Conheço quase cada curva desse caminho, cada tronco tombado, cada rocha coberta de musgo. Essa floresta silenciosa já se tornou, de certa forma, uma velha companheira.
Numa manhã fresca de primavera, quando o sol mal começava a filtrar-se pelas copas das árvores, pus-me em marcha mais uma vez. O ar estava úmido e revigorante, o chão ainda orvalhado pela bruma do amanhecer.
Andava devagar, saboreando o chilrear dos pássaros e a serenidade do mato. Nada indicava que aquela caminhada seria diferente das demais.
Então, após contornar uma curva mais fechada, deparei-me com uma clareira — e algo estranho capturou meu olhar. No chão, a poucos metros da trilha, havia uma mancha amarelada, disforme e inesperada.
De início, pensei que alguém tivesse deixado lixo na mata — talvez crianças tivessem jogado bolas de tênis, ou um caminhante abandonado parte do equipamento.
Mas conforme me aproximei, uma inquietação crescente se instalou em mim. As «bolas» se mexiam. Levemente, tremulando, como se o vento as tocasse – mas o ar estava parado.
Quando cheguei mais perto, compreendi que aquilo não era brinquedo algum.
Aquela mancha amarela, que à distância parecia inofensiva, era na verdade uma massa viva, tremulante e chorosa: dezenas de pintinhos recém-nascidos, com as penugens ainda molhadas, amontoados num único ponto.
Alguns ainda tinham fragmentos de casca grudados ao corpo. Outros tentavam ficar de pé, mas o solo frio e a exaustão os imobilizavam.
O som que emitiam — um pio fino, desesperado — era como um apelo por socorro.
Meu estômago se revirou. Não conseguia imaginar como haviam parado ali. Não havia galinhas adultas por perto, nem caixas, nem gaiolas, nada que explicasse aquilo.
Apenas os pintinhos. Um enxame de vida frágil, completamente à mercê do tempo, dos predadores e da fome.
Fiquei imóvel por alguns segundos, tentando compreender o que via. Então, instintivamente, peguei o celular e liguei para a polícia.
Minha voz tremia enquanto explicava a situação. A atendente demonstrou incredulidade, mas garantiu que mandariam uma equipe ao local.
Desligando, telefonei também para uma ONG local de proteção animal. Eles levaram a sério e disseram que partiriam imediatamente.
Enquanto isso, fiquei com eles – os pintinhos – tentando protegê-los do frio.
Ajoelhei-me ao lado deles, cobri-os com minha jaqueta com cuidado, e procurei mantê-los unidos, impedindo que se dispersassem pela vegetação.
Meia hora depois, os primeiros socorristas chegaram. Quando viram as pequenas criaturas, ficaram em silêncio por alguns instantes.
Uma das mulheres, com mais de dez anos de trabalho em abrigo, afirmou nunca ter presenciado algo parecido.
Era evidente que alguém os deixara ali de propósito, na esperança de que ninguém os encontrasse. Talvez um criador ilegal se desfizesse do «excesso». Talvez alguém que simplesmente não os quisesse.
Alguns estavam em estado crítico — congelando, fracos — mas a maioria ainda lutava por viver.
Os voluntários rapidamente os recolheram em caixas forradas com mantas, e os levaram para o centro de resgate, onde iniciaram os cuidados imediatamente.
Dias depois, entraram em contato comigo para informar que muitos haviam sobrevivido.
Alguns foram acolhidos por lares temporários, outros levados para pequenas propriedades rurais, onde poderiam crescer com dignidade.
Quanto à pessoa responsável por esse ato cruel? A polícia abriu investigação, mas nenhum indício concreto levou até ela.
Talvez nunca venhamos a saber quem foi. Talvez essa pessoa viva por perto, disfarçada de cidadão comum, como se nada tivesse acontecido.
Mas eu jamais esquecerei aquela manhã. Aqueles corpos minúsculos e tremeluzentes, aquele choro fino e insistente.
E a onda de emoções que me invadiu: raiva, impotência – e um senso profundo de responsabilidade por estar ali e vê-los.
Desde então, nenhum passeio é igual. Cada ruído entre as folhas, cada sussurro do mato me desperta.
Porque nunca se sabe que segredos a floresta guarda – nem quantas vidas podem depender de um simples olhar atento.