O pai que abandona a família — é uma história conhecida demais. Tão comum que já não choca ninguém. Socialmente, virou até piada: “Foi comprar pão e nunca mais voltou.”
Às vezes, até romantizamos esses homens — como marinheiros desaparecidos, espiões secretos ou astronautas perdidos no espaço.
Na cabeça da criança, a dura realidade se suaviza: “Ele não foi embora por não me amar… só tinha outras obrigações.”
Mas… e quando não é o pai que vai embora — e sim a mãe?
Foi com essa pergunta que Alexey Dultsev se deparou naquela manhã, sentado à mesa da cozinha, com a cabeça entre as mãos.
A única coisa que se ouvia era o tique-taque do relógio de parede. O corpo afundado pelo cansaço, o peito esmagado por algo ainda mais pesado.
À sua frente, sentada na cadeirinha alta, estava a pequena Karina, de três anos.
Olhos verdes, bochechas rosadas, cabelos cacheados — parecia uma bonequinha de porcelana. Mexia no mingau com a colher, enquanto assistia aos desenhos.
Karina era sua enteada. A mãe, Zhenya, tinha desaparecido.
– Onde está a mamãe? – perguntou Karina, emburrada. – Ela pode ficar em casa, e eu tenho que ir pro jardim?
Alexey não achava que essa pergunta viria tão cedo. Desviou o olhar, fingindo mexer na pia.
– Ela teve que resolver algo importante… – murmurou. E logo completou: – Talvez você tenha que ficar uns dias com a vovó.
O rostinho de Karina murchou. – Não quero! Tenho medo lá… A vovó diz que monstros comem crianças más. Ela grita comigo… me chama de “filha do pecado”…
Alexey estremeceu ao ouvir o nome de Tamara. A mãe de Zhenya — uma mulher dura, fria, religiosa ao extremo, sem traço algum de ternura.
Mas não havia outra saída. Naquele mesmo dia, levou Karina até o interior.
Quando chegaram, Karina se agarrou nele como se fosse sua única salvação.
– Não me deixa aqui! Por favor!
Tamara arrancou a menina de seus braços, ríspida. Alexey entrou no carro, mas no retrovisor viu Karina correndo atrás, chorando, gritando:
– Papai! Não vai embora!
Alexey freou bruscamente, saltou e abraçou forte a menina.
– Me perdoa… Não vou te deixar. Nunca.
Tamara gritou atrás deles, mas ele já não se importava. Levou Karina de volta pra casa.
E pensar que tudo começou tão diferente.
Conhecera Zhenya um ano e meio antes. Uma mulher linda, carismática. No início, nem mencionou que tinha uma filha. Karina vivia com a avó, no interior.
Quando a verdade veio à tona, Alexey não recuou.
Criado em família simples — pai pedreiro, ele mesmo dono de uma empresa de reformas — se surpreendeu com a notícia, mas disse logo: “Vamos trazê-la pra cá. Ficaremos juntos.”
Zhenya aceitou, meio relutante. Depois se casaram, e Alexey adotou Karina legalmente. Por um tempo, tudo parecia em paz.
Até que veio a queda.
O sócio da empresa, Danil Svitov, se envolveu em lavagem de dinheiro. Quando a polícia bateu à porta, Danil fugiu — e Zhenya foi com ele.
Deixou apenas um bilhete: “Não quero essa vida. Leva Karina de volta pra avó.”
Foi a maior traição. Não contra Alexey — mas contra a filha.
Mas Alexey ficou. Criou Karina sozinho. Mesmo depois de perder a empresa, o nome, a estabilidade.
Aprendeu a fazer tranças. Aprendeu a receita do queijo empanado que ela amava. Aprendeu a segurar sua mão nas noites de pesadelo.
Não apenas fingiu ser pai — ele se tornou um de verdade.
Com oito anos, Karina era uma menina curiosa, esperta. Cabelo curtinho, pôsteres do BTS no quarto, e completamente apaixonada por K-pop.
Alexey trocou o rock pelas músicas coreanas. Deixou de lado o fígado acebolado — Karina detestava — e virou mestre em lasanha.
E então, aos dez anos de Karina, mais um choque aconteceu.
Numa manhã de inverno, ela foi pálida para a escola. Na aula de ginástica, um menino gritou: – Karina tá grávida! – As crianças riram, ela caiu em prantos. Uma professora a levou de lado.
– Eu beijei um menino… – soluçou – A irmã dele disse que assim nasce um bebê… Minha barriga cresceu… e hoje minha calcinha ficou com sangue…
A professora entendeu na hora: Karina tinha menstruado.
Ninguém tinha explicado pra ela o que aquilo significava.
Alexey chegou correndo à escola. Desnorteado, balbuciou: – Achei que ainda tínhamos tempo… Ela ainda é minha menininha…
No hospital descobriram: a puberdade precoce era causada por um cisto benigno no ovário. Precisava de cirurgia.
A operação foi um sucesso.
Alexey ficou em casa com ela, leu histórias, jogou jogo da memória, segurou sua mão nas dores. Esteve presente — por inteiro.
Numa noite, receberam uma visita: a professora de Karina, Kristina. Trouxe livros, palavras doces — e, aos poucos, tornou-se parte da família.
Ensinou Alexey a falar sobre crescimento, o que comprar para uma pré-adolescente, quando calar, e quando abraçar.
Com o tempo, Alexey e Kristina se casaram.
Karina ganhou dois pais. Não de sangue — mas de amor.
Aquele apartamento, antes marcado pela ausência e silêncio, agora transbordava calor, risos e segurança.
E Alexey enfim compreendeu:
Essa vida — com toda sua dor — foi o maior presente que poderia ter recebido.