Dois anos após a morte da minha esposa, casei-me novamente, na esperança de reconstruir nossa família.
Mas quando minha filha de cinco anos sussurrou: “Papai, a nova mamãe é diferente quando você não está aqui”, fiquei chocado.
Sons estranhos vindos do sótão, regras rigorosas e o medo de Sophie apontavam para um mistério assustador que eu não podia ignorar.
Nunca imaginei que, após perder Sarah, encontraria o amor novamente.
O luto esvaziou meu peito, como se respirar fosse uma opção – meses inteiros sem sentir nada além de dor e vazio.
Então, apareceu Amelia – com seu sorriso caloroso e paciência gentil – e, de alguma forma, o mundo se tornou mais fácil com ela.
Não só para mim, mas também para Sophie. Minha filha de cinco anos a adorou instantaneamente, o que foi quase um milagre, considerando o que havíamos vivido nos últimos dois anos.
O primeiro encontro delas aconteceu em um parque. Sophie não queria deixar o balanço.
“Só mais cinco minutos, papai,” implorou, enquanto suas perninhas empurravam o balanço mais alto.
Foi então que Amelia se aproximou. O sol brincava em seu vestido de verão enquanto ela dizia algo que mudaria tudo:
“Sabe, eu acho que você poderia alcançar as nuvens se balançasse só mais um pouquinho.”
Os olhos de Sophie brilharam como estrelas. “Sério?”
“Eu sempre pensei isso quando tinha a sua idade,” ela piscou para Sophie. “Quer que eu te empurre?”
Quando nos casamos, Amelia sugeriu que nos mudássemos para a casa que ela herdara. Tudo parecia perfeito.
A casa era linda – com tetos altos, acabamentos de madeira finamente trabalhados que exalavam uma elegância silenciosa.
Os olhos de Sophie brilharam quando viu seu novo quarto, e não consegui evitar sorrir com sua empolgação.
“Parece o quarto de uma princesa, papai!” ela exclamou feliz, girando em círculos. “Será que posso pintar as paredes de roxo?”
“Vamos perguntar para a Amelia, querida. Esta casa é dela.”
“Agora é nossa casa,” Amelia corrigiu gentilmente, apertando minha mão. “E roxo seria maravilhoso, Sophie. Podemos escolher a tonalidade juntas.”
Depois disso, precisei viajar a trabalho por uma semana – a primeira vez que ficaria tanto tempo fora desde o casamento. Fiquei nervoso por deixar minha nova família, quando tudo ainda parecia tão novo e frágil.
“Vai dar tudo certo,” Amelia me tranquilizou, colocando um termo de café em minhas mãos antes de eu partir para o aeroporto. “Nós ficaremos bem. Teremos uma semana só de meninas, eu e Sophie.”
“Vamos pintar minhas unhas, papai!” Sophie disse enquanto eu me agachava para lhe dar um beijo na testa.
Tudo parecia estar perfeito. Mas quando voltei, Sophie praticamente me derrubou com o abraço apertado. Ela se agarrou a mim como nos dias depois da morte de Sarah, quando ela não queria me deixar por nada.
Seu pequeno corpo tremia nos meus braços, enquanto ela sussurrava:
“Papai… a nova mamãe é diferente quando você não está aqui.”
Meu coração parou por um instante. “Como assim, querida?”
Sophie recuou um pouco, seu lábio inferior tremia. “Ela se tranca no sótão. E eu ouço sons estranhos de lá. É assustador, papai! E ela diz que eu não posso entrar lá e… e é malvada.”
Tentei manter a calma. “Malvada como, Sophie?”
“Ela quer que eu limpe meu quarto sozinha, e nem me deixa comer sorvete, mesmo que eu tenha sido boa.” Sophie abaixou a cabeça, soluçando. “Achei que a nova mamãe gostasse de mim, mas… mas…”
Apeiei-me com ela enquanto ela começava a chorar, e meus pensamentos corriam a mil por hora.
Amelia já passava muito tempo no sótão antes da minha viagem de negócios. Ela ficava lá por horas, e quando eu perguntava, ela sempre sorria e dizia: “Estou só organizando algumas coisas.”
No começo, não dei muita importância. Todos precisam de um pouco de espaço, certo? Mas agora… agora eu me preocupava.
E embora o que Sophie tivesse dito não fosse o pior possível, ouvir que Amelia era “má” com ela parecia um pouco exagerado.
Enquanto Sophie soluçava no meu peito, percebi que me perguntava cada vez mais: será que cometi um erro enorme ao deixar Amelia entrar em nossas vidas?
Eu queria tanto um final feliz… talvez tenha deixado passar algo importante?
Mas não disse nada quando Amelia desceu as escadas. Sorri para ela e fiz um comentário leve sobre como Sophie havia sentido minha falta enquanto eu estava fora, enquanto levantava a pequena e a levava para o quarto.
Depois que ela se acalmou, fizemos um chá da tarde com seus brinquedos favoritos. Eu esperava que aquilo fechasse o capítulo, para que pudéssemos voltar à nossa rotina.
Mas naquela noite, algo mudou.
Sophie estava parada diante da porta do sótão, quase imóvel.
“O que tem lá, papai?” ela perguntou, colocando a palma da mão na porta de madeira.
Eu queria ter uma resposta. “São só coisas antigas, querida. Vamos, já está quase na hora de dormir.”
Mas naquela noite, não consegui dormir. Fiquei deitado na cama, ao lado de Amelia, olhando as sombras dançarem no teto, enquanto meus pensamentos e perguntas se misturavam.
Será que eu estava errado? Teria eu deixado alguém em nossa vida que poderia fazer mal para minha filha?
Lembrei das promessas que fiz a Sarah nos seus últimos dias. Que eu protegeria Sophie. Que ela cresceria em segurança e amor.
Quando Amelia se levantou da cama por volta da meia-noite, esperei alguns minutos, depois a segui com cuidado.
Fiquei na parte de baixo das escadas enquanto ela abria a porta do sótão e entrava. Desta vez, ela não fechou a porta atrás de si.
Silenciosamente, quase sem fazer barulho, fui atrás dela, até que, por impulso, resolvi entrar também.
O que vi me deixou sem palavras.
O sótão estava completamente transformado.
As paredes brilhavam em suaves tons pastéis, as prateleiras flutuantes estavam repletas dos livros favoritos de Sophie, e no canto, ao lado da janela, havia um canto acolhedor cheio de almofadas convidativas.
Em um dos cantos, havia um cavalete com tintas coloridas e pincéis, e as luzes suaves de fada iluminavam o ambiente.
Em um dos cantos, um pequeno salão de chá estava montado – com xícaras de porcelana delicadas e um ursinho de pelúcia com gravata borboleta.
Amelia estava ajustando a pequena chaleira quando percebeu minha entrada. Virou-se rapidamente, surpresa.
“Eu… eu só queria terminar antes de te mostrar,” ela balbuciou. “Queria fazer uma surpresa… para Sophie.”
A sala estava realmente linda, mas a tensão no meu estômago não desapareceu.
“Está maravilhosa, Amelia… realmente está. Mas… Sophie disse que você foi muito rigorosa com ela. Não deixou ela comer sorvete, mandou ela arrumar sozinha. Por quê?”
“Rigorosa demais?” Os ombros de Amelia caíram. “Eu pensei que estava ajudando ela a ser mais independente.”
“Eu sei que nunca vou substituir a Sarah, e não tento… só… só queria fazer tudo certo. Queria ser uma boa mãe para ela.” A voz dela tremia. “Mas parece que fiz tudo errado… não fiz?”
“Você não precisa ser perfeita,” eu disse baixinho. “Só precisa estar presente. Só isso.”
Amelia baixou a cabeça e, lentamente, se sentou no cantinho ao lado da janela.
“Minha mãe sempre me vem à mente,” ela sussurrou.
“Para ela, tudo tinha que ser perfeito. Quando comecei a arrumar esse quarto, nem percebi que estava agindo exatamente como ela. Rigidez, disciplina, ordem…”
Ela apontou para as prateleiras de livros perfeitamente organizadas e as tintas arrumadas de maneira ordenada.
“Eu estava tão focada em criar um espaço perfeito que esqueci o mais importante: as crianças precisam da bagunça. Do sorvete. Dos contos bobos.”
Lágrimas caíam silenciosamente pelo rosto dela.
“Esqueci que o que ela realmente precisa… é do amor simples. Aquele amor diário e genuíno.”
Na noite seguinte, subimos com Sophie para o sótão. Ela hesitou no começo, se escondendo meio atrás de mim, até que Amelia se ajoelhou ao seu lado.
“Sophie, me desculpe por ter sido tão rígida com você ultimamente,” disse Amelia suavemente.
“Eu tentei ser uma boa mãe, mas esqueci de estar simplesmente ali para você. Você me deixa te mostrar algo especial?”
Os olhos de Sophie brilharam quando ela viu o quarto. Sua boca se abriu em um perfeito “ó”.
“É… é meu?” ela sussurrou.
Amelia assentiu, com os olhos marejados.
“Sim, querida. É seu. Porque você é a coisa mais importante e agora eu sei que basta te amar.”