Aos sessenta, tornei-me invisível

ENTRETENIMENTO

A porta se abriu com um gemido baixo, e o cheiro do quarto me envolveu imediatamente. Era um aroma familiar, uma mistura suave de lavanda e algo mais, algo que me fazia sentir como se estivesse voltando no tempo.

Mas não era nostalgia que eu sentia. Era uma saudade profunda, aquela que aperta o peito, que aperta a garganta e, ao mesmo tempo, liberta a alma.

O ar estava carregado, pesado com o que ficou para trás, com os momentos que nunca poderíamos reviver, mas que, de algum modo, estavam vivos ali, flutuando em cada canto daquele espaço.

Ele estava sentado perto da janela, os raios da lua atravessando o vidro e iluminando seu rosto de uma forma quase fantasmagórica. As sombras que o envolviam pareciam delinear uma silhueta diferente daquela que eu havia conhecido.

Seus olhos, que antes eram claros e cheios de promessas, agora pareciam mais cansados, mais distantes. Mas ainda havia algo ali. Algo inconfundível. Algo que me fez parar no limiar da porta e respirar fundo, como se fosse a última vez que eu pudesse fazer isso.

– Achei que não viria – ele disse, e a voz dele, apesar de suave, estava carregada de um peso que fez meu coração acelerar. Havia uma tristeza contida em suas palavras, uma tristeza que era tão familiar quanto o seu toque, mas que eu nunca soubera como lidar.

Eu não sabia o que responder. Não sabia se deveria dizer algo. A verdade era que não havia palavras suficientes para o que estava acontecendo entre nós.

Não havia explicações para o que se passava na minha mente, no meu coração. Então, apenas entrei, fechando a porta atrás de mim como se, ao fazer isso, pudesse trancar tudo o que não precisava mais sentir.

Ele não me olhou diretamente, mas seus olhos ainda estavam fixos em algum ponto distante da noite. Seus dedos tremiam ligeiramente, como se ainda carregasse o peso de uma vida inteira nas mãos, uma vida que, de algum modo, ainda me incluía.

Eu queria tocar sua mão, mas algo me detinha. Algo que me dizia que não deveríamos mais nos tocar. Mas, ao mesmo tempo, o desejo de fazer isso era avassalador.

Eu queria sentir sua pele novamente, sentir a energia dele, mesmo que soubesse que, ao fazer isso, estaria quebrando a última barreira entre o passado e o futuro.

– Você lembra do primeiro dia que nos vimos? – ele perguntou de repente, a voz quase um suspiro.

Eu ri. Não era uma risada feliz, mas uma risada impregnada de algo muito mais profundo. Lembrei-me daquele primeiro encontro, daquele momento em que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, como se o universo inteiro tivesse parado para que aquilo acontecesse.

– Como poderia esquecer? – respondi, minha voz trêmula. – Era o dia mais quente do verão. Eu estava suando, você estava suando, mas… mas nada disso importava. Eu vi você, e soube, naquele instante, que não havia mais nada no mundo que pudesse nos separar.

Ele olhou para mim então, e, pela primeira vez, nossos olhares se encontraram de forma verdadeira. Não havia mais as camadas de dúvida ou raiva ou dor entre nós.

Havia apenas um espaço vazio, um espaço onde o tempo parecia não existir, onde o que ficou para trás e o que estava à frente se confundiam, onde apenas nós dois éramos reais.

– Eu ainda me lembro daquele momento – ele sussurrou, e algo em sua voz me fez sentir como se o tempo tivesse parado. – Eu sabia, ali, que você seria a única.

A única que poderia me entender, me fazer ver as coisas de outra forma. Mas eu não soube segurar isso. Não soube segurar você.

Aquelas palavras me atravessaram como uma lâmina afiada. Eu sempre soubera, no fundo, que ele sentia da mesma forma. Mas ouvir isso, ouvir de sua boca, me fez sentir uma dor doce, uma dor que não podia ser curada com simples palavras ou gestos.

Era uma dor que só o tempo podia acalmar, e, infelizmente, o tempo não estava ao nosso favor.

– Não soube… – comecei, mas as palavras não saíram. O que eu queria dizer? O que eu poderia dizer para consertar tudo o que aconteceu? A verdade é que não havia mais conserto.

O que existia ali, naquele momento, era a tentativa de uma última chance, uma chance que talvez nunca fosse suficiente.

Então, sem pensar, me aproximei dele. Não disse nada. Apenas me sentei ao seu lado, sentindo a presença dele como uma força invisível, uma força que parecia me puxar para perto, como se ele soubesse que eu precisava disso mais do que qualquer coisa.

Ele olhou para mim, e, com um leve movimento, suas mãos buscaram as minhas. Seus dedos estavam mais finos, mais frágeis, mas ainda carregavam a mesma intensidade de antes.

A intensidade de uma vida vivida com paixão, com erros, com perdas, mas também com amor. O mesmo amor que nunca desapareceu, que ficou guardado no fundo dos nossos corações, esperando o momento certo para surgir.

– Não quero que você se vá – ele disse, quase que em um sussurro, como se estivesse temendo que suas palavras quebrassem algo frágil entre nós.

Eu não sabia o que responder. Porque, na verdade, eu também não queria ir. Eu não queria mais deixá-lo. Mas, ao mesmo tempo, sabia que a partida era inevitável. O que tínhamos ali, naquele quarto, não passava de uma ilusão, um último suspiro de algo que já estava morto.

Mas eu não queria que morresse. Eu não queria que a nossa história fosse apenas uma lembrança. Eu queria acreditar que ainda havia algo ali. Algo que pudesse nos dar uma chance, mesmo que mínima, de recomeçar.

– Fique comigo, mesmo que só por mais uma noite – ele pediu, e havia algo em sua voz que me fez perceber que não poderia negar aquele pedido.

Eu não sabia como seria possível. Não sabia o que o futuro nos reservava. Mas, naquele momento, tudo o que eu queria era estar ali, com ele, sentindo o que restava do que já fomos.

Então, apenas me deitei ao seu lado, sentindo sua respiração, o calor de seu corpo contra o meu. E, por um breve instante, acreditamos que o tempo poderia ser gentil conosco.

Mas o tempo nunca foi gentil. Ele nos levou, como sempre fez, com a crueldade silenciosa de quem observa sem interferir.

E, antes que eu percebesse, ele já não estava mais ali, sua presença se dissipando lentamente no ar, deixando para trás apenas o eco de suas palavras e a lembrança de um amor que nunca deixou de existir.

E eu fiquei ali, sozinha, no silêncio da madrugada, com o coração apertado, sabendo que ele havia ido embora. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim dizia que, no fundo, ele nunca se foi.

Ele viveria em mim para sempre, em cada lembrança, em cada toque, em cada sorriso que compartilhamos. Porque o amor, mesmo quando se vai, nunca desaparece completamente.

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