Achei que o conhecia. Até ouvir um sussurro que rasgou minha ilusão em pedaços.
Estávamos casados há três anos. Conheci Pedro num verão escaldante, quase etéreo — daqueles encontros que parecem coreografados pelo destino.
Ele era minha completude: inteligente, espirituoso, atencioso. Quando descobri, poucos meses depois, que estava grávida, senti que o universo havia se encaixado perfeitamente.
Agora esperávamos nosso segundo filho, e a vida — vista de fora — parecia tranquila, estável. Mas como tantas vezes acontece, a superfície escondia rachaduras.
Sou americana, Pedro é alemão. No início, as diferenças culturais nos fascinavam — era uma dança de línguas, costumes e descobertas partilhadas.
Depois, por causa do trabalho de Pedro, nos mudamos para a Alemanha com nosso primogênito. A ideia era um novo recomeço. Mas não foi tão simples assim.
A Alemanha era, sem dúvida, encantadora, mas eu me sentia deslocada. Sentia falta do meu lar, das vozes conhecidas, das pequenas rotinas.
A família de Pedro — especialmente sua mãe, Ingrid, e a irmã, Klara — era cordial, mas sempre mantinha certa distância. Talvez pensassem que eu não entendia o que diziam. Mas eu entendia. Mais do que imaginavam.
Frequentemente, elas ficavam na sala enquanto eu me ocupava na cozinha ou cuidava do nosso filho.
O tom das conversas, às vezes, mudava. Comentários soltos, olhares enviesados, palavras sibilantes que apontavam para mim, meu corpo, minha aparência.
“Aquele vestido… não lhe cai bem.”
“Ela engordou tanto nessa gravidez…”
Baixei o olhar para minha barriga, alisando o tecido da roupa. Sim, eu estava grávida. Sim, meu corpo havia mudado. Mas isso não dava a elas o direito de me julgar.
Até que um dia, ouvi algo que perfurou muito mais fundo.
“Quero ver como ela vai lidar com duas crianças” — disse Ingrid.
Klara inclinou-se para frente. “Ainda acho estranho aquele primeiro menino. Não se parece nada com Pedro.”
“Aquele cabelo ruivo… não tem nada do nosso sangue.”
“Vai ver ela nunca contou tudo pra ele.”
Meu sangue gelou. Falavam do nosso filho. O menino que criamos juntos. Que Pedro embalou nos braços no primeiro choro, que vestiu, alimentou, amou.
Fiquei paralisada. Engoli as lágrimas. Engoli também o grito. Mas dentro de mim crescia uma dúvida insuportável: e se fosse verdade?
Dias depois, com o recém-nascido nos braços, elas voltaram a nos visitar. E o mesmo roteiro se repetiu — sussurros, meias palavras, confidências veladas.
“Ela ainda não sabe.”
“Pedro nunca contou a verdade… sobre o primeiro menino.”
Um arrepio percorreu minha espinha. Chamei Pedro para a cozinha. Minha voz saía trêmula, quase muda.
“O que está acontecendo? O que você não me contou sobre o nosso filho mais velho?”
Ele empalideceu. Demorou para responder.
“Minha família… insistiu para que eu fizesse um teste de paternidade.”
Meu corpo enrijeceu. “Teste?”
“Eles achavam que o tempo entre o fim do seu último relacionamento e a gravidez era suspeito… e o cabelo dele… começaram a desconfiar.”
“E você… fez o teste?”
“Fiz. Sem te contar.”
Fiquei sem palavras. Olhava para ele como se fosse um estranho. Meu coração batia forte, doído.
“O que o teste disse?”
“Que… eu não era o pai.”
O mundo à minha volta encolheu. Um zunido tomou conta da minha cabeça. “Mas eu nunca… nunca te traí. Isso é impossível.”
“Eu sei. E nunca achei que você tivesse feito isso.
O resultado… não importava. Ele é meu filho. Eu queria que fosse. Mas não sabia como te contar. Tive medo de te perder.”
Saí da casa sem pensar. O ar frio da noite bateu em meu rosto. Meus pensamentos giravam como folhas ao vento. Raiva, tristeza, incredulidade. Mas no meio disso tudo, havia algo mais — amor.
Pedro não nos abandonou. Ficou. Mesmo com as dúvidas.
Depois de um tempo, voltei. Ele estava sentado à mesa, desfeito. Levantou os olhos.
“Me desculpa” — sussurrou. “Me perdoa.”
Sentei à sua frente. As lágrimas voltaram a escorrer. Não sabia como seguir em frente. Mas sabia que reconstruir é mais difícil do que remendar o que ainda resiste.
“Nós vamos superar isso” — disse finalmente. “Juntos.”