“Há algo lá…” – sussurrou o menino com os olhos marejados no sofá da avó

ENTRETENIMENTO

O Sofá Encantado e a Herança Escondida

Era um sofá. Um sofá velho, feio, desbotado. Daqueles que ninguém quer, que até os cachorros evitam. Mas Kirill sabia — sabia com cada célula do seu pequeno corpo — que aquele não era um sofá comum.

Ele sentia. Como se o móvel respirasse, como se tivesse coração. Como se guardasse um segredo.

A mudança tinha acabado. As caixas tinham sido levadas, os homens fortes com seus cintos de ferramentas e suas piadas altas já tinham ido embora. A sala agora era um deserto de eco e poeira. Só restava ele: o sofá.

O tecido outrora castanho agora parecia cinzento. Florzinhas desbotadas serpenteavam pelos braços como vinhas secas. As almofadas?

Afundadas, deformadas, quase tristes. Mas havia algo ali. Algo que ninguém mais via. Kirill se aproximou como quem se achega de uma criatura adormecida.

Tocou. E o cheiro surgiu. Lavanda.

Um sopro de lembrança invadiu o peito dele. O cheiro da vovó. Do avental azul florido. Dos abraços noturnos enquanto ela contava histórias de princesas tristes e florestas falantes.

Era naquele sofá que ele ouvia as palavras mágicas: “O coração sempre encontra o caminho, mesmo quando tudo parece escuro.”

Kirill tinha só dez anos, mas já carregava dentro de si saudades maiores que ele.

Sentou-se devagar. O sofá rangeu como um velho capitão acordando do sono. E ali, naquele momento silencioso, Kirill sentiu como se estivesse sendo observado. Não de forma ameaçadora. Não. Era mais como… como se o sofá estivesse esperando por ele.

Foi então que o pai apareceu — um homem amargo, com olhos embriagados e voz de trovão.

— Ainda chorando por aquela bruxa? — resmungou, encostado na porta com uma cerveja quente na mão.

Kirill não respondeu. Só olhou o sofá. E lembrou.

Lembrou da mancha de suco de framboesa que derramara anos atrás. Lembrou do pânico. Lembrou do riso da avó:

— Ora, ora, pequenos acidentes criam grandes histórias! Agora esse sofá tem uma memória sua.

E ali, onde havia encostado as costas, algo cutucava. Algo duro. Escondido.

O coração de Kirill acelerou.

— Tem algo aqui dentro! — exclamou, e levantou-se de um salto.

Puxou as almofadas como um arqueólogo em busca de tesouros perdidos. Nada. Mas o pressentimento era mais forte que a dúvida.

Correu até a cozinha, pegou uma tesoura enferrujada e, com mãos trêmulas, começou a cortar a parte de trás do sofá. Um rasgo, depois outro. Poeira voava como fantasmas libertos.

E então… ele viu.

Uma caixa.
Pequena, de metal. Verde musgo, riscada pelo tempo. Quase camuflada entre as entranhas do estofado. Presa com fita adesiva grossa.

Kirill a puxou devagar, como quem retira uma relíquia sagrada de um templo antigo.

Na tampa, em caligrafia conhecida:
“Para Kirill.”

O pai, do outro lado da sala, revirou os olhos e voltou para a televisão. Não via. Não sentia. Não sabia.

Mas Kirill sabia. Aquilo era para ele. Só para ele.

Descolou a fita como quem desembrulha um feitiço. A caixa se abriu com um estalo suave. Dentro, uma carta. E embaixo dela, documentos amarelados pelo tempo.

Mas era a carta que importava.

Ele abriu com cuidado, o coração tamborilando como se quisesse escapar do peito. O cheiro da avó escapou de novo. Lavanda, doce e forte. Como um abraço invisível.

“Meu querido Kirill,

Se estás lendo isto, significa que já não estou ao teu lado. Mas minha alma, ah, essa nunca te deixou.

Escondi esta caixa porque sabia que um dia você precisaria da verdade. E a verdade, meu amor, é que você carrega dentro de si um destino diferente.

Seu pai não é sua prisão.

Os papéis que estão aqui provam: você tem outra família. Gente boa. Gente que te ama. Vá até Mikhail e Denisa. Eles te esperam.

E nunca, jamais esqueça: você é amado. Você é livre.

Com amor eterno,
Vovó.”

Kirill ficou imóvel. A carta tremia em suas mãos. O mundo parecia girar ao redor dele, mas por dentro… tudo se encaixava.

O sofá, o cheiro, os sonhos. Tudo fazia sentido agora.

Lá fora, o céu clareava. E dentro dele, algo nascia: coragem.

Ele guardou os documentos, dobrou a carta com todo o carinho do mundo e a colocou no bolso. Levantou-se com uma leveza nova nos ombros. O pai roncava na sala, afogado em cerveja e frustração.

Mas Kirill?
Kirill não era mais o mesmo.

Ele olhou uma última vez para o sofá aberto, com suas tripas de espuma e molas expostas. Parecia sorrir.

Como se dissesse:
Vai. É a tua hora.

E Kirill foi.

Porque, às vezes, o que parece velho e sem valor… guarda a chave para a nossa verdadeira história.

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