A Lágrima Prateada
Amanda estava sozinha na cozinha, os dedos trêmulos apertando a xícara de chá como se fosse a única coisa capaz de manter o resto do mundo em seu lugar.
O silêncio da casa era profundo, pesado, como se o ar ao redor se tivesse transformado em algo denso, quase palpável. O único som que se ouvia era o tic-tac do relógio na parede e o murmúrio distante da geladeira.
Lá fora, o vento de outono acariciava as árvores, e as folhas caíam suavemente, como se também elas quisessem enterrar seus próprios segredos.
Os olhos de Amanda, quase hipnotizados, caíram sobre o jornal abandonado na mesa. No começo, ela o ignorou, mas algo nela a fez retornar, e ao olhar novamente, encontrou o rosto dele — seu pai.
A dor, fria e implacável, a atingiu com a força de um golpe. Ali estava ele, sorrindo ao lado de uma mulher jovem, com um diamante no dedo, como se ela não existisse, como se sua própria filha fosse apenas um capricho de um passado distante.
«Robert M. vai se casar novamente – o evento mais esperado da cidade está chegando.»
Seu estômago se apertou, as mãos suaram, e a xícara quase escapou de seus dedos. Ele, que os havia abandonado, que nunca voltou, que nunca mandou uma carta ou fez uma chamada.
Ele estava ali, sorrindo, enquanto ela… ela era apenas um nome apagado, uma memória que ele preferiu esquecer.
Mas ela estava ali. Ela existia. E cada dor que havia guardado por tanto tempo, cada lágrima engolida, agora voltava à tona, transbordando como uma onda que não conseguia mais se conter.
Naquela noite, Amanda percorreu a casa com passos lentos, tocando as paredes como se pudesse sentir a presença dos fantasmas que ali moravam.
As fotos antigas, os retratos de uma família que nunca mais existiu, estavam espalhadas por toda parte. Ela e sua mãe, sempre juntas, mas com os olhos vazios, como se uma saudade irreparável os envolvesse. A falta de algo que nunca poderia ser preenchido.
Ela abriu um pequeno armário e retirou uma caixa de veludo. Dentro dela estavam os brincos de prata que sua mãe lhe dera, quando tinha apenas doze anos.
O último presente, o último gesto de carinho, dado por uma mãe que já estava à beira da morte, mas que ainda assim soubera sorrir.
Com os olhos marejados, Amanda colocou um dos brincos na orelha, sentindo o metal frio e suave contra a pele. O outro permaneceu apertado em sua mão. Ela não queria chorar. Não naquele momento. Havia algo mais importante a fazer.
No dia seguinte, Amanda estava à porta da casa de Robert. A construção imponente e impessoal parecia refletir tudo o que ele havia se tornado: distante, inatingível.
A riqueza, a perfeição, a ostentação… tudo aquilo parecia tentar esconder um vazio profundo. Um vazio que ela conhecia bem, mas que ele nunca soubera reconhecer.
Esperou até que ele saísse. Então, com passos silenciosos, adentrou o jardim. Uma árvore antiga, com seus galhos retorcidos e fortes, ofereceu-lhe a escalada para o segundo andar.
As cicatrizes do passado arderam enquanto ela subia, cada movimento uma lembrança de tudo o que ela tivera que suportar.
A janela estava aberta. Ela entrou, sem hesitar, como se estivesse cumprindo um destino que nunca pedira, mas que sempre soubera que teria de enfrentar.
Dentro, o quarto de Robert estava impecavelmente arrumado, perfeito demais para ser real. Cada objeto, cada detalhe, parecia alienígena para ela. Mas, em algum lugar dentro de si, uma voz sussurrou: «Isso poderia ter sido seu.»
Ela se aproximou da cama e, com cuidado, colocou o brinco sobre o travesseiro. A lágrima de sua mãe. Uma lembrança silenciosa. Um símbolo da dor que nunca passaria. Depois, sem fazer barulho, saiu pela mesma janela, sem deixar vestígios.
Dias depois, Amanda voltou. Desta vez, ela bateu à porta. Seu coração pulsava forte, quase saindo pela boca. Ela não sabia o que a esperava, mas sentia, com uma clareza cortante, que não poderia voltar atrás. A porta se abriu e, diante dela, apareceu Carla, a nova mulher de Robert.
– Estou procurando Robert M., – disse Amanda, a voz suave, mas com um tom que era pura lâmina. – Sou a namorada dele. Ou melhor… achava que fosse.
Carla a olhou, atônita, sem saber o que fazer.
– O quê? – perguntou, confusa.
Amanda sorriu, mas era um sorriso sem alegria, mais uma máscara do que uma expressão real.
– Não se preocupe, – disse ela, com um tom de desprezo quase visível. – Só vim pegar um brinco que deixei aqui. Era da minha mãe. O único pedaço dela que ficou comigo.
Robert apareceu então na porta. Quando ele a viu, seu rosto se transformou. Ele a reconheceu. Seus olhos, aqueles olhos que ela havia perdido de vista por tanto tempo, estavam agora fixos nela, como se a vergonha e o arrependimento fossem finalmente visíveis.
– Amanda? – ele sussurrou, como se não pudesse acreditar.
– Sim, sou eu. Sua filha, – ela respondeu, a voz fria, sem emoção. – Você ainda se lembra de mim?
O silêncio que se seguiu foi pesado, mais denso do que o ar ao redor. Carla se afastou, confusa, sem saber como reagir. Robert ficou paralisado, sem palavras, como se o peso de todos os seus erros finalmente tivesse caído sobre ele.
Amanda, com calma, tirou o outro brinco da bolsa e o colocou na palma da mão de Robert.
– Minha mãe me deu isso antes de morrer. Ela disse que um dia eu o devolveria a quem nos roubou a vida.
Os olhos de Robert se encheram de lágrimas, mas não havia mais palavras. Seu corpo estava tenso, tremendo, como se as lembranças finalmente estivessem tomando conta dele.
– Desculpe, – ele disse, sua voz fraca, sem convicção. – Eu não sabia como…
– Não importa mais, – Amanda o interrompeu, com uma firmeza que soava como uma sentença. – Eu só queria que você visse. Queria que soubesse o que fez. Queria que sentisse o peso disso.
Ela se virou então, e saiu pela porta, sem olhar para trás. Não precisava de perdão, nem de abraços. Ela já havia feito o que precisava. A verdade estava dita, e o silêncio havia sido quebrado.
Quando Amanda saiu da casa, o céu estava tingido de uma luz dourada. O sol de outono, fraco, mas ainda quente, atravessava as nuvens, iluminando tudo ao seu redor. Como se sua mãe estivesse sorrindo por trás das nuvens, finalmente dizendo-lhe que estava tudo bem.
E, talvez, fosse isso que Amanda realmente precisava ouvir: que ela existia. Que não havia sido esquecida. Que a dor, por mais profunda que fosse, finalmente havia sido reconhecida.