Fui ao funeral do meu pai desconhecido, na esperança de que essa despedida me traria a paz que tanto buscava. Mas, em vez de me perder na quietude da dor, a urgência estranha da minha avó invadiu minha mente – ela havia me dito,
com um sussurro carregado de presságio, que eu deveria ir imediatamente à casa dele. Meus meio-irmãos – Robert Jr. e Barbara – não estavam em lugar nenhum. Tinham simplesmente ignorado o funeral, e a ausência deles lançou
uma sombra densa sobre tudo o que acontecia. Mas quando finalmente os encontrei, eles estavam invadindo o escritório do meu pai, e naquele instante percebi o que realmente procuravam: algo que seus olhos cobiçosos ainda não possuíam.
Não via meu pai há anos. Ele nos abandonou quando eu ainda era criança, e todas as tentativas de reconectar tinham sido em vão. Nenhuma palavra, nenhuma ligação. Apenas o silêncio interminável.
Deveria não me importar. Talvez o vazio dentro de mim se preenchesse se eu simplesmente seguisse em frente com a raiva que sentia dele. Mas como deixar ir, quando desde o início eu soubera que alguém nos privou do que mais precisamos?
Quando soube da sua morte, estava dividido. O que deveria sentir? Tristeza? Raiva? Alívio? Provavelmente tudo ao mesmo tempo. Mas, quando o dia chegou, eu estava lá, como se o destino tivesse me puxado.
Sabia que teria sido melhor não aparecer, mas algo dentro de mim me impelia a ir. Talvez eu estivesse buscando o que nunca tive – um encerramento. A capela estava banhada por uma luz sombria, e o único som era o suave toque da orga.
O perfume das lírios me envolvia, doce e denso, como uma parede que me abraçava. Nas minhas mãos, o programa parecia me puxar de volta à realidade. Robert Sr. Era como se seu nome na folha fosse vazio – como o nome de um estranho,
não a imagem fantasmagórica do homem que me acompanhou a vida toda, sem saber. Nada de choro. Nada de gemidos de lamento. As pessoas apenas sentavam, olhando fixamente para o vazio – como se estivessem presas em um ciclo interminável de espera.
Onde estavam Robert Jr. e Barbara? Como podiam os filhos que ele realmente criara simplesmente não aparecer? E ali estava de novo – aquela sensação incômoda. Algo estava errado. E justo naquele momento, enquanto eu
pensava em ir embora, uma mão se agarrou ao meu braço, magra e firme. Eu me assustei, me virei, e lá estava ela – minha avó Estelle. Uma sombra do meu passado que me assombrava sempre.
Ela foi a única a me falar sobre meu pai quando eu a procurava à distância, sempre na esperança de que ela me mostrasse um pouco mais sobre ele. Mas suas histórias nunca me tocaram de verdade. Até agora.
Seus olhos queimavam com uma intensidade que parecia me atravessar. Sem dizer uma palavra, ela agarrou minha mão e colocou algo frio na minha palma. Olhei para a chave, que para mim parecia um símbolo de algo sombrio. Sua voz foi um sussurro rouco e urgente.
«Olhe ao redor. Não fique aqui. Você precisa ir para a casa dele – agora.» Fiquei olhando para ela, confuso, hesitante. «O que você está dizendo? Avó, o que está acontecendo aqui?» Ela não respondeu.
Seus olhos continuavam queimando em minha alma, até que eu senti minha mão apertar cada vez mais forte em torno da chave. «Confie em mim. Você não tem tempo a perder.» E, sem mais uma palavra, ela me deixou ali e se perdeu na multidão,
como se nada tivesse acontecido. Fiquei parado, meu coração batendo forte. Será que ela tinha enlouquecido? Mas havia algo… algo no olhar dela que não me deixou ir. Eu sabia que não podia mais esperar.
Respirei fundo o ar gelado lá fora, entrei no carro e fui embora – sem saber o que me aguardava. A casa dele apareceu diante de mim como uma ruína do meu próprio passado. O jardim estava impecável, o prédio reluzia à luz do sol,
recém-pintado e quase novo. Um lugar que ele amava mais do que tudo – mais do que a nós. Mais do que a mim. Estacionei na garagem, meus olhos fixos na porta. Eu não deveria estar ali. Mas a necessidade de entender
o que minha avó queria me arrastava mais forte do que qualquer outra coisa. Com um movimento brusco, enfiei a chave na fechadura. Ela fez um clique, e a porta se abriu com um gemido fantasmagórico.
Estava silencioso. O ar cheirava fresco, mas de uma forma estranha, estagnada. Era como se o próprio ambiente estivesse chamando por algo que não existia mais. Andei pela sala, agora sufocada por móveis modernos e escuros – uma sensação
de estranhamento me envolvia. Algo estava errado. E então ouvi. As vozes. Sussurrando, como se estivessem se escondendo. Elas vinham do escritório do meu pai. Lembrei-me de como aquele quarto sempre foi proibido para mim.
Fui me aproximando cautelosamente. «É isso.» ouvi Robert Jr. sussurrar. «Os papéis. Os números das contas.» «Temos que encontrá-los antes que ela o faça.» «Você está certo. Não podemos deixá-la encontrar.»
Robert e Barbara. O que estavam fazendo ali? Com um movimento rápido, abri a porta entreaberta. Lá dentro, vi Robert Jr. debruçado sobre a escrivaninha, encarando papéis. Barbara estava no chão, vasculhando um cofre onde estavam acumuladas as riquezas da família.
«O que… o que estão fazendo?» De repente, alguém se virou atrás de mim. Uma voz profunda, calma. «Seu pai estava certo.» Eu me virei, meu coração disparado. Lá estava um homem de terno cinza – um notário, como me explicou depois.
«Quem é você?» sussurrei, minha garganta apertada. «Sr. Davis. O notário da família.» «Você não deveria estar aqui!» gritou Barbara, ao nos ver. Sua raiva era como uma tempestade. Robert Jr. me olhou, o rosto esbranquiçado. «Emily, você não é bem-vinda aqui!»
Mas antes que eu pudesse responder, o Sr. Davis falou, com uma calma glacial: «Ela tem todo o direito de estar aqui.» Barbara o fitou com os olhos estreitos. «Do que estão falando? Quem são vocês?»
«Perguntem à sua avó.» foi a resposta tranquila. E naquele momento, Estelle, minha avó, entrou na sala. Seu olhar era uma lâmina afiada, que cortava tudo à sua frente. Ela passou por nós com uma dignidade inabalável, que fazia anos de frieza derreterem ao seu redor.
Ela olhou para a cena caótica que Barbara e Robert haviam causado. Seus olhos se voltaram para mim, e foi como se um oceano de palavras não ditas se estendesse entre nós. «Querida, eu queria que você visse isso.
Que você os visse pelo que são.» Senti uma chama queimando dentro de mim. Como ela podia dizer isso? «Meu filho cometeu muitos erros que nunca admitiu. Mas acredito que sua doença abriu seus olhos.» continuou.
«Ele queria dividir sua fortuna de forma justa entre vocês três, mas eu sabia que tentariam te enganar.» As palavras me atingiram como um soco. E quando o notário leu as palavras familiares do meu pai, percebi – a dor,
a raiva e a perda não eram nada comparados às amargas verdades que agora estavam se desdobrando.