Minha filha tinha três anos quando a encontrei debaixo de uma ponte, coberta de lama, e a criei como se fosse minha.

ENTRETENIMENTO

O Milagre de Maria. Anna Vassilievna levava uma vida simples num vilarejo remoto, cercada pelo vento cortante do inverno e pelo calor tímido dos verões curtos. Viúva e sem filhos, trabalhava incansavelmente na kolkhoz e cuidava de sua pequena fazenda.

Seu mundo era feito de rotinas duras, mas ela encontrava consolo na terra, no canto dos pássaros e no brilho dourado dos campos ao entardecer. Porém, numa manhã fria e úmida de março, seu destino mudou para sempre.

Enquanto recolhia gravetos perto da velha ponte do rio, um som fraco, quase engolido pelo vento, fez seu coração apertar. Era um choro baixinho, um soluço trêmulo de desamparo. Seguindo o som, Anna encontrou uma menina encolhida entre as sombras da ponte,

o rosto manchado de sujeira, os olhos arregalados de medo. Seu vestido rasgado mal cobria o corpinho magro, e os lábios arroxeados sussurravam silenciosamente um pedido de socorro.

Anna não hesitou. Envolveu a pequena em seu xale grosso, apertou-a contra o peito e levou-a para casa. Os vizinhos cochichavam, franzindo a testa com desconfiança. “É perigoso acolher um ser desconhecido”, murmurava a velha Matrena.

Mas Anna não deu ouvidos. Ela sabia, no fundo da alma, que aquele encontro não era obra do acaso.

Nos primeiros dias, a menina não falava. Olhava ao redor como um passarinho assustado, pronta para voar ao menor sinal de perigo. Mas Anna era paciente. Alimentava-a com caldo quente, penteava seus cabelos emaranhados, cantava para ela à noite,

quando os pesadelos faziam seus ombros tremerem. E, aos poucos, a menina começou a se abrir.

Anna deu-lhe um nome: Maria, como sua própria mãe. Com o tempo, os olhos tristes da criança ganharam um novo brilho. Ela correu pelos campos pela primeira vez, gargalhou ao sentir a chuva no rosto, aprendeu a plantar cenouras no jardim.

Mas foi só quando ela balbuciou seu primeiro “Mamãe” que Anna sentiu as lágrimas quentes descerem por seu rosto.

A aceitação da aldeia veio devagar. Matrena, antes cética, um dia apareceu na casa de Anna com um novelo de lã e ensinou Maria a tricotar. Os vizinhos passaram a sorrir quando viam a menina ajudando no mercado ou correndo pelas ruas de terra batida.

Então veio a febre. Uma febre que queimava Maria como fogo impiedoso. Anna, sem hesitar, atravessou descalça a lama do vilarejo e correu nove quilômetros até a cidade vizinha para buscar remédio.

O jovem médico, ao ver o desespero em seus olhos, entregou-lhe o que precisava sem pedir nada em troca. Durante noites intermináveis, Anna velou Maria, murmurando orações silenciosas, refrescando sua testa com panos úmidos.

Quando, enfim, a menina despertou e murmurou um fraco “Mamãe”, Anna soube que tinha vencido a batalha mais importante de sua vida.

Os anos passaram como folhas ao vento. Maria cresceu, tornou-se uma menina curiosa e estudiosa. Amava as palavras, a poesia, as histórias contadas à beira do fogão. Seu talento foi reconhecido,

e anos depois, ela partiu para a cidade grande para se tornar professora.

Uma noite, quando tinha nove anos, perguntou a Anna sobre sua origem. Lembrava-se vagamente de uma mulher de lenço azul que a deixara sob a ponte, sussurrando um “Me perdoe” que o vento carregou.

Anna não julgava essa mulher desconhecida. A vida era dura, cheia de escolhas impossíveis.

Maria, porém, sorriu e segurou as mãos calejadas de Anna. “Não importa de onde vim. O que importa é que você me encontrou.”

Anna sorriu de volta. Seu coração, tantas vezes castigado pela solidão, agora estava cheio de amor. Ela havia encontrado sua filha, e Maria, sua mãe. Isso bastava.

Maria partiu, mas Anna permaneceu em sua casinha no vilarejo, cercada por memórias que não se desbotavam com o tempo. E, a cada primavera, quando as primeiras flores brotavam no jardim, ela sabia:

a vida pode ser dura, mas também reserva milagres para aqueles que têm coragem de amar.

 

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