Parte Um: Quando a Mentira Caiu
— Você deveria ter me contado! — A voz de Svetlana tremia de raiva, suas palavras cortando o ar como lâminas afiadas. Seus punhos estavam cerrados com tanta força que suas unhas quase rasgavam a palma das mãos.
Ela estava parada no limiar da sala de estar, seus olhos fixos em Pjotr com uma intensidade que fazia o ambiente parecer mais pesado. Pjotr, no entanto, não parecia se importar.
Com uma calma inquietante, mordia seu sanduíche como se nada de importante estivesse acontecendo, como se o mundo ao redor não estivesse desabando.
— E o que você esperava que eu dissesse? — respondeu ele, sem sequer olhar para ela. Sua voz era tão desinteressada que Svetlana sentiu uma onda de desprezo lhe atravessar. — Que meu irmão está nos devendo dinheiro?
Ou que já desisti de acreditar que ele vai pagar algum dia?As palavras de Pjotr caíram sobre Svetlana como uma bomba, explodindo meses de angústia e dúvidas.
A preocupação constante com a escassez de dinheiro, as preocupações sobre o futuro, tudo fez sentido de repente. Vadim, o irmão de Pjotr, estava mais uma vez no centro de toda a confusão.
Vadim, o homem que sempre dizia que ia mudar, que nunca cumpria. E agora, Pjotr estava ajudando a alimentar sua mentira.
— Você deu nosso dinheiro para ele, pelas minhas costas? — O tom de Svetlana cortou o ar, uma lâmina fria e afiada. — E não teve a decência de me dizer nada? Estamos profundamente endividados por causa dele?
Pjotr parou de mastigar e soltou o sanduíche, as mãos tocando o rosto com um gesto cansado, como se tentasse encontrar uma maneira de escapar das consequências de suas escolhas.
— Eu não queria te sobrecarregar, — falou finalmente, a voz abafada, como se estivesse carregando o peso do mundo. — Ele é… é da família.
— Família? — Svetlana soltou uma risada amarga, cheia de ironia. — E nós, Pjotr? Somos apenas uma adorno na sua vida? Você realmente acha que os problemas do Vadim não nos afetam?
Você nos colocou em uma situação da qual não vejo saída! Pjotr permaneceu em silêncio. Como poderia justificar isso? Vadim sempre foi bom em fazer promessas vazias, mas abandonar seu próprio irmão… Isso era mais do que Pjotr estava disposto a fazer.
— Ele não tem mais ninguém, Svetlana, — murmurou ele, quase em um suspiro, como se estivesse confessando um pecado. Não uma desculpa, mas uma aceitação do que havia se tornado.
Svetlana ficou em silêncio, os olhos fixos nele, mas com algo novo se formando dentro dela. Não havia mais palavras a dizer. O vazio entre eles parecia maior do que qualquer discussão.
Parte Dois: O Peso da Decisão
Os dias seguintes foram imersos em um silêncio pesado e doloroso. A casa, que antes era cheia de vida, agora parecia um espaço vazio, onde cada passo se arrastava como um fardo.
As palavras se tornaram raras, e quando surgiam, eram como lâminas, cortando em silêncio.Svetlana e Pjotr estavam presos em suas próprias órbitas, afastados um do outro, sem encontrar o caminho de volta.
Quando Pjotr chegou em casa, exausto após um dia longo de trabalho, Svetlana já o aguardava, imperturbável, como se o confronto fosse inevitável.Ela o encarou de uma maneira que ele não podia ignorar.
— Precisamos conversar, — disse ela, sua voz calma, mas firme, sem espaço para escapatórias.
Pjotr hesitou. Ele sabia que não poderia mais adiar aquilo. Se quisesse salvar algo, precisava enfrentar a verdade. Sentou-se à mesa com os ombros caídos, os olhos evitavam os dela.
— Você falou com Vadim novamente? — A pergunta de Svetlana foi direta, cortante.
— Sim, — admitiu ele, sem olhar para ela. — Ele me garantiu que vai nos pagar em breve.
Svetlana soltou um riso seco, sem humor, com os lábios curvados em uma ironia amarga.
— Garantiu? Como se isso fosse a primeira vez! Quantas promessas mais você vai acreditar, só para ser novamente decepcionado? Pjotr abriu a boca para falar, mas se calou. Não havia nada que pudesse dizer que fizesse Svetlana acreditar novamente.
— Ele é meu irmão, — disse Pjotr finalmente, a voz quebrada, como se estivesse tentando justificar o injustificável. — Não posso simplesmente abandoná-lo.
— E nós? — O tom de Svetlana ficou mais suave, mas a dor era clara. — Até quando você vai nos sacrificar por ele, Pjotr? Quantas vezes mais?
As palavras dela pairaram no ar, como uma sombra densa. Pjotr abaixou a cabeça, a sensação de perda e arrependimento se espalhando por ele. Svetlana não estava mais disposta a esperar indefinidamente.
Parte Três: A Escolha Difícil
Na manhã seguinte, Pjotr decidiu que a situação precisava de um fim. Marcaram um encontro em um café simples, longe da tensão de casa, um lugar neutro onde Vadim não poderia se esconder atrás de palavras bonitas.
Vadim chegou com o seu sorriso largo e sua postura despreocupada, mas para Pjotr, aquele sorriso já não significava nada. Era uma fachada vazia.
— E aí, irmão, — disse Vadim, batendo-lhe nas costas com um sorriso de sempre. — Como vão as coisas?
Pjotr se manteve firme, sem sorrir. Ele sentou-se com calma, olhando Vadim nos olhos pela primeira vez em muito tempo.
— Vadim, isso acabou. Não vou mais te dar dinheiro.
O sorriso de Vadim desapareceu como se tivesse sido apagado. Seus olhos se abriram em surpresa, mas logo ele recobrou a postura, como se tentasse entender o que acabara de ouvir.
— Pjotr, por favor, você não pode fazer isso… — Vadim começou a protestar, mas Pjotr levantou a mão, interrompendo-o.
— Não. Não dessa vez. Eu dei tudo o que podia, mas não vou mais arriscar minha família por você. Vadim se recostou na cadeira, o olhar de desafio agora sendo substituído por algo que parecia mais uma aceitação relutante.
— Família? Eu sou sua família, Pjotr. Ou isso não importa mais?
— Você é, Vadim, — respondeu Pjotr, com a voz mais calma que conseguia. — Mas há limites. E você ultrapassou todos.
Vadim o encarou em silêncio. Não havia raiva, apenas uma quietude que parecia mais difícil de lidar do que qualquer explosão de fúria.
Quando Pjotr voltou para casa, a sensação de alívio e exaustão o envolvia. Mas quando Svetlana olhou nos seus olhos, algo estava diferente. Ela não parecia mais apenas desapontada; havia um traço de respeito e, talvez, de esperança.
— Você falou com ele? — perguntou ela, a voz suave, mas carregada de expectativa.
Pjotr assentiu, o peso da decisão finalmente aliviado.
— Sim. E disse a ele que acabou.
Svetlana colocou a mão sobre o braço dele, e pela primeira vez em muito tempo, ele sentiu que talvez, apenas talvez, houvesse algo mais para eles além da dor e da desconfiança.
Não era um final feliz, mas era um começo. Um começo de um novo caminho que eles poderiam, quem sabe, percorrer juntos.