O aeroporto parecia mais gelado que o habitual, ou talvez fosse apenas o peso dos olhares cortantes que me acompanhavam. Cada passo meu soava como uma confissão, cada respiração como um pedido de desculpas.
Mantinha a cabeça baixa, os dedos quase esmagando o cartão de embarque, como se ele fosse uma tábua de salvação para uma versão de mim que já não existia.
A cicatriz no meu rosto era nova – uma linha profunda que descia da testa, cruzava a sobrancelha e se estendia até o maxilar.
Não era apenas uma marca na pele; era uma narrativa involuntária, uma história que eu jamais escolheria contar.
Os médicos fizeram o que puderam, mas a carne guardava suas memórias: vermelha, reluzente e impossível de ignorar.
Desde o acidente, encarar o espelho era como enfrentar um tribunal. Meus amigos, bem-intencionados, diziam coisas como: “É uma prova da sua força” ou “Isso te torna única”.
Palavras bonitas que se quebravam diante do reflexo – ou pior, diante dos olhares desconhecidos que escancaravam o que ninguém tinha coragem de dizer em voz alta.
No meu assento junto à janela, me permiti desabar silenciosamente. Fones de ouvido no volume máximo e o olhar perdido no horizonte – uma tentativa falha de construir um muro entre mim e o mundo.
Mas o mundo, claro, não se intimidou.
“Isso só pode ser brincadeira”, murmurou um homem ao meu lado, enquanto jogava sua bagagem no compartimento acima. Uma mulher, que parecia ser sua namorada, o acompanhava, suspirando dramaticamente.
Eles ainda não tinham me notado, mas eu sabia que era apenas questão de segundos.
E, de fato, veio o momento inevitável. O som de uma respiração engasgada preencheu o ar, seguido de um sussurro alto demais para ser discreto.
“Meu Deus, o que é isso?” A voz da mulher tinha uma mistura de nojo e incredulidade que me atravessou como um espinho.
Meu coração disparou, mas eu não ergui o olhar.
“Você não pode cobrir isso?” perguntou o homem, a voz gélida, como se estivesse lidando com algo ofensivo.
“Algo assim nem deveria estar à mostra”, acrescentou ele, enquanto eu sentia minha garganta se fechar.
A mulher soltou um riso nervoso e puxou o lenço do pescoço, cobrindo parte do rosto. “Eu não consigo olhar para isso”, comentou, como se eu fosse um quadro deformado pendurado na parede.
Queria desaparecer, evaporar no ar. Mas as palavras continuaram.
O homem levantou a mão, chamando uma comissária de bordo. “Com licença, podemos resolver isso? Isso aqui é inaceitável.”
A comissária aproximou-se com um olhar sereno e profissional. Seus olhos me encontraram por um breve momento antes de se voltarem para o homem. “Qual é o problema, senhor?”
“É ela!” Ele apontou para mim sem a menor cerimônia, como se minha existência fosse um inconveniente. “Minha namorada não pode viajar assim, olhando para isso. Não dá para trocá-la de lugar?”
A comissária ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços. “Senhor, cada passageiro tem direito ao seu assento. Se vocês estão desconfortáveis, podemos discutir alternativas para vocês.”
O homem bufou. “Você só pode estar brincando!”
“Não, senhor. E, se o comportamento desrespeitoso continuar, seremos obrigados a tomar medidas.” Sua voz era calma, mas havia uma firmeza que não deixava espaço para discussão.
A mulher tentou argumentar, mas a comissária já os indicava para o fundo do avião. “Temos assentos disponíveis lá. Por favor, sigam por aqui.”
Sob murmúrios e olhares reprovadores dos outros passageiros, o casal se levantou, claramente contrariado. Um leve som de aplausos começou a ecoar pelo corredor,
tímido no início, mas suficiente para aquecer o que antes estava congelado dentro de mim.
A comissária voltou-se para mim, o olhar suave agora. “Você está bem?”
Assenti com um pequeno movimento de cabeça, sem confiar na minha voz.
“Se quiser, temos um lugar na classe executiva. Pode ser mais confortável.”
Demorei um instante, mas finalmente sussurrei: “Obrigada.”
Na classe executiva, com um chá quente em mãos e o céu infinito lá fora, consegui respirar novamente. Não era o fim de um pesadelo, mas algo dentro de mim parecia ter mudado.
Talvez a vida não fosse sobre desaparecer, mas sobre aprender a existir plenamente – mesmo com todas as marcas que nos definem.