Hoje à noite vivi uma situação inesperada e marcante que me fez refletir sobre como, no ritmo acelerado do dia a dia, deixamos passar muita coisa sem questionar.
Subi no ônibus lotado, exausta após um longo dia, com uma dor latejante nas têmporas.
Ainda segurava a garrafinha de água que usei para tomar um comprimido, torcendo para que aliviasse a pressão na cabeça.
Tudo parecia rotineiro — até que uma mulher com uma criança desviou minha atenção do desconforto.
A garotinha, de uns cinco anos, com tênis imundos, se jogou no banco da frente.
Seus pés pequenos, cobertos de sujeira, começaram a chutar ritmicamente meus joelhos, como se estivesse marcando o compasso de uma música invisível.
A princípio, tentei ser tolerante — é só uma criança, pensei. Está descobrindo o mundo. Mas o incômodo, tanto físico quanto mental, só aumentava.
A mãe dela, totalmente absorta no celular, nem sequer notava o que acontecia.
Estava mergulhada numa conversa animada, batendo os dedos freneticamente na tela, como se aquilo fosse mais importante que o comportamento da filha.
Sua voz se elevava, alternando entre tons ríspidos e sussurros impacientes. O ruído deixou de ser pano de fundo e passou a dominar o ambiente com uma dissonância desconfortável.
A dor na minha cabeça aumentava, como se algo cortante estivesse pressionando por dentro do crânio.
Lutei para manter a paciência, respirando fundo, tentando me distrair com pensamentos calmos. Mas a mulher permanecia alheia, como se estivesse isolada da realidade à sua volta.
Quando a menina pisou no meu vestido novamente, tremi de irritação. Resolvi intervir, com gentileza e educação:
“Com licença, você pode pedir para ela não me chutar? Obrigada.”
Silêncio. Nenhuma reação. A mãe nem sequer me olhou.
A quietude foi rompida pela voz estridente da criança:
– Mamãe, compra um carrinho pra mim! Igual ao do desenho! Agora!
– Espera, estou ocupada! – rebateu a mãe, sem desviar os olhos do celular.
Mais um chute, agora mais forte. A dor latejou nas têmporas. E então, aquela resposta seca: “Não se meta, eu sei como educar meu filho.”
Foi a gota d’água. A indignação explodiu dentro de mim. A criança chutou novamente — dessa vez, como se fosse de propósito. O impulso falou mais alto.
Inclinei-me para frente, peguei o telefone da mulher com firmeza e, com voz trêmula de raiva, encarei-a:
– Por favor, cuide da sua filha. Ela está sujando minha roupa com os sapatos. Se não fizer nada, jogo seu celular pela janela!
O ônibus congelou. Todos os olhares se voltaram para nós. O motorista olhou pelo retrovisor. A mulher ficou paralisada, com os olhos arregalados de surpresa.
Não revidou. Pegou o celular de volta das minhas mãos sem dizer nada. Silenciosamente puxou a menina para o colo, como se só então percebesse a situação.
A criança se acalmou de imediato, como se sentisse a mudança de energia. O resto do trajeto seguiu em absoluto silêncio.
Ela não disse mais nada. Apenas me olhava de vez em quando, sem aquela expressão de desprezo de antes.
E eu percebi, pelos olhares ao redor, que outros passageiros estavam do meu lado — mesmo que em silêncio.
Foi como um alerta. Um lembrete de que respeito e atenção não são opcionais.
Às vezes são os pequenos gestos — um empurrão, uma sujeira, uma indiferença — que desencadeiam situações maiores. Às vezes é preciso alguém se levantar e dizer: basta.
Agora sei que a dignidade não deve ser deixada de lado, mesmo sob pressão. Prefiro encarar olhares espantados do que continuar tolerando o desrespeito.
E, sim, faria tudo de novo — sem culpa, apenas com a sensação de ter defendido o que é justo.
Obrigada por ler até o fim. Compartilho essa história porque sei que você também já viveu momentos silenciosos e barulhentos em que precisava se posicionar.