Quando meu filho me ligou, com a voz embargada ao contar a história de Hunter, algo profundo se mexeu dentro de mim.
Um casal jovem – com seu próprio cachorro, criado desde filhote – o entregou ao abrigo, dizendo friamente: vão se mudar, e “não conseguem mais lidar com um cão tão grande.”
Era um pastor alemão de três anos, lindo e leal, com um olhar ainda cheio de apego, de esperança – e agora, o mundo se abria diante dele como uma traição.
Os funcionários do abrigo recusaram imediatamente a ideia de eutanásia. Ao ouvir a história, o nome Hunter ficou gravado na minha mente.
Meu filho, Daniel, estava preocupado – “Mãe, é um cachorro enorme, tem certeza que vai dar conta?” – questionou, desconfiado.
Mas eu cresci cercada por cães grandes. Sabia o que era assumir um compromisso, e no fundo do coração, a escolha já estava feita.
Quando vi Hunter pela primeira vez, não precisávamos dizer nada.
Os olhos dele falavam. Algo dentro de mim se suavizou, algo que há tempos o ruído da rotina abafava. Um espírito sereno e forte me encarava. Naquele mesmo dia, o levei para casa.
Minha casa fica nos arredores da cidade, na ponta de uma vila tranquila – nada luxuosa, mas acolhedora. A varanda espaçosa e o jardim verdejante trouxeram a Hunter um novo sopro de liberdade.
Ele não latiu, não tremeu – apenas farejou os cantos, e com um suspiro profundo, se deitou na caminha preparada na sala. Como se dissesse: “Finalmente.”
Daniel veio me ver no dia seguinte, ainda visivelmente apreensivo – mas ao nos ver juntos, suas dúvidas sumiram.
— Que cachorro tranquilo — comentou, enquanto Hunter repousava delicadamente a cabeça em seu colo e encostava o focinho em sua mão, com carinho.
Com o passar dos dias, fui descobrindo o verdadeiro temperamento de Hunter. Atento, mas sem ansiedade. Equilibrado, sensível, e infinitamente gentil.
Certa vez, o gato do vizinho entrou no quintal, e Hunter apenas inclinou a cabeça com curiosidade, cheirou o visitante, e continuou a observar, como quem reencontra um velho amigo.
Durante uma caminhada matinal, cruzamos com um adolescente chamado Rômulo, que procurava algo nervosamente entre os arbustos. Tinha perdido suas chaves.
Hunter, como que por instinto, puxou para um lado – cheirou a grama e, segundos depois, um leve tilintar anunciou: as chaves estavam ali.
O rosto do menino se iluminou, e desde então ele acena para nós todos os dias, às vezes correndo para acariciar Hunter.
Um mês depois, Daniel ligou novamente – havia tensão em sua voz.
— Mãe, os antigos donos voltaram ao abrigo. Estão arrependidos e querem o Hunter de volta.
Os atendentes não revelaram nada e lembraram ao casal que, na época, abriram mão da vida dele. Com isso, perderam todos os direitos sobre o cão.
Dentro de mim, as emoções se embaralharam: raiva, medo, mas acima de tudo, firmeza. Agora Hunter está comigo. Está em casa. E ninguém vai tirá-lo de mim.
Desde então, vivemos juntos nossos dias. Descobri que Hunter adora passear de carro – viaja no banco de trás do meu velho sedã, com a cabeça para fora da janela, sentindo o vento no focinho e com um ar quase sorridente.
Em um passeio pela trilha, tropecei em uma raiz de árvore, caí e ralei dolorosamente o joelho.
Antes que eu pudesse reagir, Hunter já estava ao meu lado, parado, imóvel, esperando até que eu conseguisse me apoiar nele. Seu silêncio foi o maior apoio que poderia receber.
Certa vez, na clínica veterinária da cidade, surgiu o tema da formação de cães de apoio emocional. O comportamento de Hunter era tão exemplar que fomos convidados a participar.
Logo começamos a visitar um asilo, onde um senhor calado, o senhor Rosado, que quase nunca falava, murmurou baixinho ao ver Hunter:
— Bom cachorro… cachorro muito bom.
Agora, com Hunter dormindo ao lado dos meus pés, ouço sua respiração tranquila e sou tomada por gratidão. Por aquele dia, por aquela escolha, por essa nova chance.
Às vezes, meu filho diz: “Mãe, talvez não tenha sido você quem salvou o Hunter, mas ele quem te salvou.”
E a cada novo amanhecer, tenho mais certeza de que ele está certo.