Tatyjana acordava toda segunda-feira do mesmo jeito: exatamente às 6h45, com o som familiar do despertador. Da cozinha, já vinha o cheiro da papa de aveia – sua avó sempre levantava cedo.
A vida parecia imutável: nono ano escolar, aulas diárias, tarefas intermináveis, encontros esporádicos com amigos. À primeira vista, tudo estava em ordem – mas, na verdade, não era como a vida dos outros.
Desde pequena, ouviu sempre a mesma história: seu pai foi um herói, morto antes de seu nascimento. Sua mãe e sua avó contavam assim.
Sem muitos detalhes, mas com uma reverência no tom – como se fosse um segredo sagrado, intocável.
Diziam que seu pai era “um verdadeiro homem”, que “se foi cedo demais”, e que Tatyjana era “sua herança mais preciosa”.
Essa narrativa servia como armadura. Facilitava existir. Era o que ela contava aos colegas – não com vergonha, mas com orgulho. Enquanto os pais dos outros eram ausentes ou violentos, o dela era um herói.
A realidade era preenchida pela imaginação: um homem fardado, olhar firme, despedida sofrida antes da batalha.
Tudo começou a desmoronar de verdade quando sua mãe adoeceu e depois morreu. A doença chegou rápido: cansaço, dores, médicos, hospital. O diagnóstico foi cruel – câncer.
A mãe escondeu por um tempo, mas quando não deu mais, Tatyjana fez o que pôde: cozinhava, resolvia papéis, ligava para os médicos – tudo isso aos catorze anos.
Numa noite, adormeceu ao lado da cama da mãe. Quando acordou, ela já havia partido em silêncio. Custou a aceitar. À noite, ainda esperava ouvir seus passos no corredor – mas o silêncio permanecia absoluto.
A avó tornou-se sua tutora legal. A senhora fazia o que podia: preparava refeições, lavava roupas, abraçava. À noite, murmurava: “Sua mãe ainda está conosco. Observa lá de cima.
Você não está sozinha.” Mas a casa foi se tornando fria, e a calma, frágil. Tatyjana passava horas olhando para o poste da rua, como se esperasse respostas escondidas ali.
Um dia, chegou mais cedo à escola. Seus colegas estavam estranhos: cochichavam, evitavam seus olhos.
Então, uma menina – daquelas que sempre sabem de tudo – aproximou-se e lançou a frase que fez o mundo de Tatyjana ruir: “Teu pai… está vivo.”
Alguém viu um homem sem-teto no parque, dizendo que era o pai de Tatyjana.
Em casa, ela arrancou a verdade da avó.
Com dor, a senhora revelou tudo: o pai, Pavél, foi um antigo amor que, após o serviço militar, rejeitou a filha ainda não nascida com uma carta fria.
A mãe fugiu e recomeçou a vida. Pavél, anos depois, acabou nas ruas. E sim – ainda estava vivo.
Os dias seguintes foram insuportáveis na escola. Ridicularizada, chamada de “filha de mendigo”, ignorada pelos professores, abandonada pelos amigos. Tatyjana tentou resistir, mas a indiferença a esmagava.
Suas notas caíram, suas forças minguaram. Uma noite, disse à avó: “Quero mudar de escola.” Mas o diretor respondeu: “Crianças assim… perturbam o ambiente escolar.”
Cada vez mais afundada em dificuldades, viu a avó adoecer – pneumonia, problemas no coração. Os remédios eram caros. Tatyjana anotava, fazia contas, deixava de comer.
Um dia, agentes do serviço social bateram à porta – alguém havia feito denúncia. Ofereceram-lhe um lar institucional. Ela apenas respondeu: “Seria uma traição.”
Uma das mulheres, jovem, ao se despedir, lhe disse: “Você é forte. Eu acredito em você.” Essas palavras ficaram com ela – uma centelha na escuridão.
O fim do ano se aproximava. Os colegas ensaiavam para a formatura, mas ela era ignorada. Uma professora ofereceu-lhe a chance de cantar uma música sobre pais – Tatyjana recusou.
Aquilo não era para ela. Outra aluna gritou: “Pena que sua mãe não morreu mais cedo!” E Tatyjana explodiu. Pela primeira vez, falou.
Em voz alta, trêmula, mas verdadeira. Correu da sala, sem olhar para trás, até chegar ao rio, onde sempre encontrava paz.
Ali, ouviu um grito por socorro. Alguém se debatia nas águas. Sem pensar, mergulhou. Salvou uma jovem – Maria, universitária, atacada pelo próprio namorado.
Havia um escândalo político por trás – o pai da garota era uma figura influente, alvo de chantagens.
Tatyjana levou Maria para casa, deu-lhe roupas quentes, ajudou-a a contatar o pai. Quando o homem chegou, abraçou a filha com lágrimas.
Ao saber quem a salvara, aproximou-se de Tatyjana e disse: “Você não me é estranha.”
Na formatura, ela estava lá de novo – só, em silêncio. Mas dessa vez, Maria surgiu – elegante, firme, como se dissesse: “Ela é minha amiga.”
Atrás dela, o pai – o governador da região – entregou flores a Tatyjana e a abraçou diante de todos. A sala ficou em silêncio. Aquilo não era mais vergonha. Era reconhecimento.
Daquele dia em diante, Maria e Tatyjana tornaram-se inseparáveis. A amizade delas sobreviveu ao silêncio, à dor, aos julgamentos.
Sonhavam juntas com um novo amanhã – um mundo onde não é o passado que nos define, mas a coragem de viver o presente.